Fim

Avenida Paulista, 5 de outubro de 2045.

Tibúrcio entra numa loja vazia. Completamente vazia. Vazia mesmo! Há um enorme espelho, emoldurado em madeira sucupira, polida e envernizada. Mas cheia de pó pelo longo período de ausência humana. Já se passara 2 anos que não via um humano sequer. Apesar do vazio, ele sente a presença de alguém, ou algo. Melhor: algo vivo. Não sabe se a impressão é de algo selvagem, mas vivo, algo respirava, com certeza.

Ultimamente, Tibúrcio havia sonhado com criaturas estranhas, e nesses sonhos, tais criaturas eram chamadas de Salamôndreas. Seres horrendos, resultado de uma mal sucedida experiência, na qual consistia na mistura de ácidos graxos, sódio amarelo, cordão umbilical, saúvas e sêmen de chimpanzé. Tudo isso misturado à placenta humana, fez com que nascesse a mais horripilante criatura já vista no mundo. A criatura tinha cerca de 1,45m de altura, magra e amarela, tinha um rosto pontiagudo, boca grande e babada, no lugar de cabelos, protuberâncias como furúnculos novos.

E se fosse salamôndreas o que estava ouvindo agora? Era um ronronado tão qual de fera do pântano. O som aumentava conforme seu medo o fazia tremer. Paralisado, algo chegou por trás dele. Tibúrcio se retesou como uma caça, prestes a ser devorada, tendo como arma, a simples simulação de morte. E ouviu a “coisa’’ dizer:

- Oi.

A “coisa” tinha voz de mulher. A “coisa’’ tinha a voz de seda!

Tibúrcio virou-se lentamente. Tão lentamente que a virada de cabeça demorou uns 30 segundos.

- Meu Deus! – Tibúrcio não podia acreditar no que estava vendo. Era a criatura mais linda que já vira em toda sua vida.

Era morena clara, cabelos na cintura levemente tingidos de acaju. Tinha por volta de 22 anos e 1,70 de altura. A pele era tão macia como um pêssego. E boca, ah a boca! Dois gomos de carne de cereja combinavam com um nariz graciosamente arrebitado.

- Prazer, meu nome é Linda!

Tibúrcio lembrou que até nos Últimos Dias tinha pleonasmo. Puro pleonasmo.

Linda pronunciou a palavra prazer, como se o estivesse encurralando no Centro Universal do Improvável Deleite Humano. Ela havia dito prazer, prazer ela havia dito. E o prazer estava ali, deitado, sentado, à margem da razão.

- O prazer é meu. Meu nome é... Meu... Nome... É Tibúrcio... Prazer mesmo.

Linda, convulsivamente deu uma aguda gargalhada. Tão logo se recompôs, mas esforçando-se, como uma criança tentando disfarçar e segurar mais uma crise de riso.

- Desculpa!

- O que foi, por que riu?

- Nada, nada mesmo, esquece.

- Linda, Linda, bonito nome para uma linda mulher. Também gosto do meu.

- Do seu o quê?

- Ora, meu nome, Tibúrcio.

Linda pôs a mão na boca. Mas não fora o suficiente para explodir, à salivadas, uma grande gargalhada, das mais debochadas possíveis. Nem no fim do mundo, Tibúrcio se livrara da chacota recorrente ao seu nome.

- Poxa, Linda, está rindo do meu nome?

- Desculpa. – Linda estava entre soluços de riso e tentativas de falar. – Desculpa mesmo, nunca tinha visto esse nome. Tibúrcio. Tibúrcio. – Mais Risada.

- Tá ok, pode me chamar de Búrcio então.

Linda agora soluçava e perdia o fôlego de tanto rir. Búrcio certamente era pior que Tibúrcio.

No Fim dos Dias, dois seres vivos. Dois humanos. Ambos capazes de recomeçarem a saga humana, os dois aptos a se reproduzirem para novamente encherem a Terra. Ela, Linda, linda e saudável. Ele de aparência média, tipo, “dá pro gasto”.

Mas linda não conseguia parar de rir. Não havia clima. Se ao menos Tibúrcio tivesse mentido o nome.

Fredson Leite Evangelista
Enviado por Fredson Leite Evangelista em 27/08/2014
Reeditado em 19/07/2018
Código do texto: T4938839
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