Um caipira numa agência bancária - Parte 2 – O cadastro

Um dia de segunda feira, com a agência bancária cheia de caipira numa cidade de interior entra o caipira Bil acompanhando do seu sobrinho, um jovem de uns 20 anos. O diálogo abaixo é centrado entre o gerente de conta de pessoas físicas e o cliente caipira. Como vimos na visita anterior ao banco (um caipira numa agência bancária nº 1), o gerente marcou para que o caipira voltasse na data marcada e fizesse o cadastro, a fim de possibilitar um financiamento para a área rural.

- Bom dia senhor, no que posso servi-lo?

- Não quero ser servido em nada, não tô com fome. Quero fazer meu cadasso.

- Ah sim! O cadastro. Mostre seus documentos.

- Tá doido? Na frente de todo mundo?

- Quero dizer, mostre o CPF, identidade, essas coisas, entendeu?

- Ah sim. Toma ai, tá tudo dentro deste pocapiu.

- Como é o seu nome mesmo?

- Tá vendo ai não? É “pode butá”. Quer dizer é como o povo me conhece.

- Como “pode botá”? Estou vendo mesmo escrito aqui na identidade.

- Meu pai contou que lá na roça foi no cartório para me registrar com o nome de Sivirino, mas quando o homem do cartório perguntou se podia butá o nome, ele disse “pode botá”. O home do cartório butou no papel Severino pode butá.

- Rapaz, eu nunca pensei que eu iria ver isso num banco. Entendi. E mesmo assim o senhor é casado?

- Sou.

- Como é o nome da sua cônjuge?

- Não é com juzé. É minha mulher há mais de 30 anos..

- Certo. Como é o nome da sua mulher?

- É dinha.

- Como?

- Derna que eu namorei eu conheci ela como dinha.

- O senhor depois vai me trazer a identidade dela, quando vier apresentar a proposta do seu financiamento, viu?

O gerente vira-se para o rapaz e pergunta se ele sabia ler. Ele responde que sim. Pegou o formulário e entregou ao rapaz para preencher umas informações perguntando ao velho, enquanto ele iria se levantar para buscar um documento na máquina copiadora. Ao voltar, o rapaz diz que o velho só respondeu uma pergunta que foi: sexo.

- O que ele respondeu, perguntou o gerente.

- Ele disse que apesar de acontecer algumas falhas, às vezes ainda funciona.

- Não era isso. O sexo dele é masculino. Era só botar um “x” aqui, nesse lugar. Deixa pra lá. Onde o senhor mora?

- Numa casinha lá no oiteiro da roça, caindo os pedaços.

- Qual é o endereço que o correio entrega as cartas?

- Qui correio? Qui cartas? Nunca vi correio correr por lá.

- Vou colocar então que o senhor mora num lugar sem número nenhum.

- Como sem número? Tudo meu tem número, sapato, calça, camisa ...

- Não é isso. Vamos continuar. O senhor tem escritura?

- Escritura não tem não, mas identidade o senhor já viu.

- É escritura da terra, a certidão de nascimento da terra.

- Deus me livre. Nunca vi dizer que terra foi nascida da barriga de ninguém.

- Esquece; O senhor tem algum bem?

- Agora falou bonito. Tenho a roça de dinha, que ela casou comigo e me deu, tenho mais 10 filhos e mais 1 cavalo e mais duas éguas, seis porcos castrados, 20 galinhas poedeiras ...

- Tá bom, tá bom. Não precisa mais falar de bens. Como é o nome da fazenda?

- Que fazenda? É roça mesmo. O nome é lagoa seca, mas ó dotô, só fica seca quando num chove.

- Entendi. Está escrito aqui que o senhor quer comprar 10 cabeças de vacas. É isso mesmo?

- Lá vem o sinhô com essa história de novo. Eu quero é as vacas todas, com pés, braços, tetas e toda completa.

- É isso mesmo. Pronto! Enfim, o cadastro está pronto. Nós vamos analisar as informações e no começo do outro mês o senhor vem apresentar a sua proposta e saber se o banco vai emprestar os recursos financeiros destinados à sua atividade rural, com um plano especial de desenvolvimento sustentável, agregando valor e elevando a produtividade regional.

- Vixe! Num entendi nada. Se as vacas sair é o que eu quero. No começo do outro mês eu venho mais meu subrinho saber e levar o dinheiro das mimosas.

Bil vai voltar ao banco para saber se o cadastro foi aprovado e levar o dinheiro para comprar as 10 vacas. Será que ele vai conseguir? Só saberemos na parte três desse imbróglio.