A Velha Bicicleta Vermelha do Tio!

Essa é a história de uma menininha de cabelos vermelhos e sardinhas no rosto chamada Júlia e de sua irmã Beatriz que por sua vez tinha os cabelos loirinhos e olhos claros.

Júlia tinha dez anos, era sapeca que só ela, gostava de brincar no quintal de sua casa, fazia bolinhos de barro molhado e quando os meninos da vizinhança passavam, jogava sua arte culinária neles, sujando suas roupas de domingo.

De vez em quando Júlia brincava com suas primas. Bem de vez em quando mesmo, pois sempre se aborrecia com as dengosas companheiras de casinha. E escondida dos olhares das primas, entrelaçava os cabelos das barbies uma ao cabelo da outra, uma engenhosidade para sua idade. Mas as primas ao descobrirem, saiam chorando contar o ocorrido as suas mães e Júlia levava aquela bronca e um sermão de quase meia hora.

Com os olhinhos murchos e carinha igual ao do gato de botas, Júlia balançava a cabeça em sinal de entendimento as palavras da mãe e prometia não fazer mais aquilo. Aham, sei...

Júlia era a degustadora voluntária das bolachas da avó. Às vezes quando sentia aquele cheiro gostoso mal esperava as bolachinhas esfriarem e as colocava na boca, abanando com as mãos e remexendo todo o corpo. Depois de experimentar meia dúzia, Júlia sorria para avó, dava-lhe um beijo amoroso na bochecha e saía saltitando da cozinha.

Beatriz era um ano mais velha que sua irmã. Arteira que só ela, quando via uma gaiola na casa do vizinho dava seu jeitinho e soltava o pobre animalzinho lá de dentro, sob nenhuma hipótese admitia o feito. Era briguenta, sem fazer muito esforço causava aquele alvoroço com as meninas da escola e quase sempre parava na sala da diretora que dizia:

- O que eu vou fazer com você, hein mocinha? Ela Sorria marotamente.

Gostava de fazer todo tipo de esporte, corria, jogava vôlei, futebol, até praticou salto em distância. Todos esses lhe rendiam rapidamente algum osso quebrado, sucessivamente quebrou o braço, o nariz e o dedo. Quando a unidade de saúde (Samu) atendia ligações da escola, perguntava:

- Sra diretora não vai me dizer que é a Beatriz de novo?!

E por incrível que pareça, era!

- Sim, dessa vez ela não quebrou nada não, só está engasgada com um botão.

Assim, Júlia e Beatriz, em dupla tocavam o terror. Digo aprontavam muito, brincavam de subir nas árvores, apostar corridas com os meninos (quase sempre perdiam), e andavam de patins na calçada da farmácia, onde tinha uma parte mais lisinha. Mas a dona do estabelecimento sempre saía com a vassoura na mão gritando desaforos para as duas, que corriam de lá rindo a beça e dez minutos depois retornavam para não dar aquele gostinho de serem mandadas por aquela senhora de óculos garrafais e sua berruga no nariz.

Certa tarde, Júlia e Beatriz estavam á toa em casa, já haviam brincado de tudo, pega-pega, mãe-se-esconde (obs: se você é mãe e está lendo essa historinha agora, não precisa se esconder tá, mãe-se-esconde é o nome da brincadeira, mas claro, fique a vontade se quiser se esconder, imagina quem sou eu para dizer não se esconde mãe...). Brincaram também de morto-vivo ou seria vivo-morto (tá aí uma dúvida!), estátua, bets, de casinha com seus filhinhos, que eram os gatinhos de estimação. A Xuxa, a gatinha, havia acabado de criar, tinha uns cinco filhos pra cada uma. E foi brincadeira pra dar e vender, ainda jogaram bola, baralho, truco, pife, pingue-pong, dama, xadrez, palavras cruzada, stop, etc e tal. Isso tudo, acredite se quiser, em um único só dia.

Já tristinhas por não saberem mais do que brincar, aconteceu o inesperado, o inacreditável, o impossível. Tá, quase impossível. Os olhos das duas, que somando são quatro, mas elas não são quatro olhos não, imagina, não, não, nem imagina, cruz credo. Os olhinhos das duas irmãs sapecas brilharam mais que panela ariada, porque enxergaram aquela maravilhosa, encantadora e velha bicicleta vermelha de seu tio, encostada ali na parede de sua casa.

Elas se olharam, juntaram as mãos e pularam de alegria. Bicicleta era um artigo de luxo naquela época. Foram correndo na direção do tio, pedindo que as deixassem dar uma voltinha na magrela, e ele conhecedor da fama das duas, falou seco:

- Não!

Pronto aquele tio pateta, ou seria tio patinhas (?) atrapalhou os planos das duas, destruiu seus sonhos de passear com a vermelhinha. As duas paralisadas com a decisão daquele homem de cara pálida e pernas finas. O tio não se compadeceu quando rolou lágrimas dos olhos da Júlia. É atriz nem pensar. Júlia não tinha vocação pra encenar e não conseguiu convencer seu tio, muito menos iria conseguir convencer alguém que as lágrimas que escorriam pelo seu rosto era na verdade sua saliva, que bem disfarçadamente “pingou” com seu dedo indicador.

Mas bastou-lhe o tio lhe dar as costas e aquele sorrisinho de garotinha levada da breca apareceu. As duas cumplices na mesma arte se aventuraram. E, escondidinho, quase que na ponta dos pés, levaram a velha magrela vermelha do tio.

Beatriz foi pilotando, enquanto Júlia sentada no cano sentia o friozinho na barriga daquela aventura. Estavam adorando! Passaram por ruas esburacadas, desceram o meio-fio, desviaram de uma senhorinha que levava compras em seu carrinho de feira, davam tchauzinho para as amigas, que morriam de inveja de vê-las andando de bicicleta. Tudo estava lindo, o sol quente de verão e aquele ventinho gostoso completava o passeio.

As ruas eram de chão batido, (a maioria), outras de paralelepípedos. Devido aos buracos, Beatriz segurava com força o guidão, o que lhe deu calos nas mãos. Ainda mais porque andava em ziguezague, se achando a piloto de bicicleta. Para as duas tudo era diversão, sorriso largo no rosto, até que um buraco gigante apareceu no meio do caminho. Beatriz não teve tempo de desviar. O buraco atingiu a bicicleta. Beatriz segurou firme o guidão. Julia sentiu o baque do buraco desgrudando a bunda do cano alguns metros para cima. Ficaram pálidas. A bicicleta continuou andando rapidamente, elas ainda em cima grudadas como chiclete.

No choque da bicicleta contra o buraco a corrente do pedal e do freio, (não existia o freio das mãos nas bicicletas antigas), se soltou. Não adiantava pedalar ou tentar frear a bicicleta vermelha do tio. A bicicleta continuava rápida, não tinham como frear. De repente a Júlia olhou desesperadamente para a Beatriz. Estavam brancas, mais do que já eram, estavam se aproximando de uma descida. Na rua do final do bairro existia uma descida íngreme, onde os piás desciam de carrinho de rolimã, e era conhecida como a descida do quebra ossos.

Beatriz e Júlia não sabiam o que fazer, ninguém por perto para socorrer. Júlia gritou descontroladamente:

- Para essa “joça”, para, para, paraaaaaaaaaaaa!!!

E Beatriz respondeu:

- Não posso, não freiaaaaaaaaaaaaaaaaa...

Corrente arrastando no chão, bicicleta sem freio, as duas grudadas no guidão. Beatriz não tinha o controle da velha bicicleta. A bicicleta, que já estava rápida, ganhou mais velocidade na descida.

A bicicleta estava descendo numa disparada, e as duas irmãs se segurando como podiam. A rua estava terminando, a descida acabando e um muro de pedra chegando. Se não parassem poderia acontecer o pior, e as duas iriam conhecer de fato a fama da descida do quebra ossos. E pelo jeito todos os ossos.

E Beatriz tomou uma decisão desesperada. Na tentativa de frear a bicicleta, os dois pés colocou de repente no chão. Na descida da rua de chão batido, uma bicicleta vermelha levantando poeira, descendo em disparada com duas meninas berrando.

Beatriz investiu toda sua força naquela manobra louca, seus pés estavam vermelhos e ardendo com o contato com o chão. A bicicleta não diminuiu a velocidade. A poeira levantava forte, faltavam alguns metros para o muro do final da rua. Um chinelo da Beatriz arrebentou, e bolhas na sola do pé surgiram rapidamente.

Foi quando a bicicleta começou a diminuir a velocidade. As bolhas no pé começaram a dar resultado pelo menos. Mesmo diminuindo a velocidade, elas não controlavam a bicicleta. Do muro já estavam salvas, mas não foram poupadas de encontrarem o chão de terra batida. Se empacotaram e se embolaram com a bicicleta vermelha.

Foi “o pacote”, diga-se de passagem. Depois que a poeira baixou, viam-se duas garotinhas sujas, com as roupas rasgadas, com um ou cinco machucadinhos no corpo e aqueles cabelos arrepiados. Elas choravam ao mesmo tempo em que riam uma da outra.

Chegaram em casa empurrando a bicicleta vermelha do tio. O guidão meio torto e a corrente arrebentada. Pelo estado da magrela, as duas não tinham como negar que o “empréstimo” e o passeio lhe renderiam algumas palmadas e puxões de orelha. As irmãs sapecas estavam apreensivas pela aparência, mas felizes por dentro.

Que feito! que susto! que diversão!!!

As palmadas não vieram, e muito menos os puxões de orelha, já estavam machucadas o suficiente. Somente um baita sermão da mãe e uma reprimenda do tio. Ele ficou arrependido de negar ao pedido das duas e muito mais por não ter falado que a corrente da bicicleta vermelha estava frouxa, e caía com qualquer solavanco.

O tio as abraçou, consolou e com um tonzinho irônico disse no pé dos seus ouvidos:

- Que isso lhes sirva de lição, suas levadas! Mas eu continuo amando vocês!

Os machucadinhos que naquele momento não representaram muita coisa, hoje é a marca registrada no joelho de Beatriz e um risco branco na perna de Júlia. Hoje Júlia e Beatriz já estão com o dobro da idade que tinham quando se aventuraram na bicicleta velha do tio. Mas a alegria daquele momento e a lição aprendida naquela tarde vão levar para a vida toda.

“A infância é a melhor parte da vida, as lembranças de tudo o que vivemos são guardadas num cantinho secreto do nosso coração. Então eu espero que você viva com alegria cada momento da sua infância, aproveite tudo de bom que ela proporciona. Brinque de todas as brincadeiras inventadas, e invente novas, seja sapeca um pouquinho, divirta-se com bolinhos de barro, faça tudo valer a pena, e guarde historias dessa época, para que um dia, assim como eu, você possa contar as outras crianças que você ama, tudo o que te fez feliz um dia”

Tia Dana

Esta lembrança é dedicada a todas as crianças que fazem parte da minha vida, que são:

Amanda,

Ana Paula,

Karoline,

Fabiane,

Felipe,

Fernanda de Fátima,

Fernanda Isabela,

Flávio,

Gabriel,

Gabriela,

Isaque,

Kailani,

Larissa,

Matheus,

Samuel.

Rosana Dias do Nascimento Czornei
Enviado por Rosana Dias do Nascimento Czornei em 29/04/2015
Código do texto: T5224588
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