O horário de verão depois da quinta rodada

Na quinta rodada – pouco antes das declarações de amor e de amizade, de bocas quase colando nas caras, cheias de bafo etílico, esse sopro criador das alegrias e dos choros –, o momento era de assunto sério. E dessa vez, não podia ser outro. Afinal foi justamente por causa dele que todos estavam ali uma hora antes do que de costume. Todos acordaram mais cedo, bravos, xingando o inventor do relógio, do sol, das horas, do verão, de tudo que se relacionasse com ele. Mas, no início da noite, quando o sol ainda reluzia as taças, deixando a cerveja mais bela, o horário de verão se tornara um velho amigo.

- E é velho mesmo. Sabem desde quando? Desde 1931! Li hoje isso.

- Não acredito. Não me lembro de nenhum horário de verão antigamente.

- Cara, cê tá bêbado! Vai lembrar do quê?

- Ué, eu lembro de... de... Do que mesmo estamos falando? – disse o bêbado com grau de alcoolemia acima dos demais.

- Então – o primeiro bêbado retoma a palavra –, o horário de verão surgiu em 1930.

- Não era 31?

- Que diferença faz?

- Pra mim, o horário de verão surgiu hoje de manhã – diz um bêbado, que permanecia, até o momento, quieto em seu canto (e deveria assim permanecer).

- Você tá falando sério? É velho assim?

- Oh, e tem mais: é pra economizar esse negócio de hidrelétrica... É hi-dre-lé-tri-ca ou hi-dro-e-lé-tri-ca? – perguntou o bêbado sabido (o mesmo do "1931"), silabando com dificuldade e com a boca quase colada no rosto do amigo, que estava, até então, calado.

- Vou responder pra você: não é nem uma coisa nem outra. É usina... usina... elétrica. Não, não é isso. Eu sei falar “certim”, mas não sai nada “certim” agora.

- É, tem isso, mas tem também o horário de bico!

- Bico!? – perguntaram surpresos três dos cinco bêbados.

– É. Horário de bico. Quando todo mundo liga tudo, tevê, luz, tudo.

- Não é pico?

- Ué, e que que eu falei? Não sabia que cerveja deixava surdo.

- Mas se o verão começa em dezembro, por que o horário de verão começa em outubro? – disse o bêbado mais bêbado de todos.

Os demais fizeram silêncio, tentando encontrar, em algum pequeno espaço sóbrio do cérebro, uma resposta para tão filosófica pergunta. Não encontraram.

– E que horas são, afinal?

Eram pouco mais de 22h.

- Se fosse ontem, estaria cedo. Mas hoje é hoje, né?

Todos concordaram que, de fato, “hoje é hoje” e que o maldito horário de verão tornava a noite mais curta. Irritaram-se novamente com a mudança de horário e chamaram o garçom para mais uma rodada.

Osvaldo Júnior
Enviado por Osvaldo Júnior em 16/10/2017
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