É errado falar calão? (por Caetano de Sousa João Cambambe )

É errado falar calão? Não, não é!

É complicado, em pleno século XXI, tentar adequar aquele conceito que a gramática tradicional, instituída no século III, atribuiu ao calão, pois o uso e a realidade entram em choque com aquele conceito.

Pinto, em pleno século XXI, ainda ousa em definir o calão como sendo um nível de língua utilizado numa comunidade geralmente marginalizada.

Que absurdo! Mas que raio de brincadeira é essa!

Já dissemos, e vale repetir, que o conceito de calão, hodiernamente, está desactualizado e, de igual modo, precisa de uma roupa nova, pois o calão já não é o que a velha e crescidinha gramática portuguesa julga que é. O mais agravante é que há, em plena modernidade, professores (angolanos) presos naquele disparate. Ou seja, vão reproduzindo, na salas de aulas, para os seus aprendentes, como se actualmente (na prática) o calão fosse aquilo que está na gramática (teoria). Mas não vai reproduzir como?! É típico de angolanos pensar que tudo que está no livro é verdade, indubitável, o mais aceitável, o mais correcto, etc. Você quando tenta provar o contrário daquilo que está no livro, o angolano atribui-te um nome: maluco(a).

Para já, eu não sou marginal e não vivo numa comunidade marginalizada, mas a gente usa calão. Até aqueles que vivem em grandes centros urbanos também se servem do calão como uma variedade linguística.

Respondendo à questão acima, não é errado falar calão, bem como fazer o uso de todas as demais variedades. O erro passa a ser quando o utente da variedade ora referida não consegue adequar a variedade linguística que usa em relação à situação de comunicação. Todas as variedades valem para alguma coisa. Aliás, existem mesmo para serem usadas, dependendo do contexto.

Por exemplo, usar palavrões, termos grosseiros, etc., não constitui, do ponto de vista linguístico, erro algum. O problema começa a existir desde o momento em que o falante ‘’confunde as coisas’’, no caso do contexto de comunicação.

Eu posso usar calão com pessoas da minha intimidade, no caso de amigos, namorada (ainda não tenho), primos, irmãos, etc., até porque devido à afinidade e o contexto, o uso de um formalismo linguístico ou então de uma linguagem cuidada passa a ser, nalguns casos, desnecessário.

Se eu estiver num debate formal (até porque há debate informal), aqueles termos grosseiros e palavrões usados devem ser, a rigor, totalmente dispensáveis, desnecessários, devido ao novo contexto em que me encontro. Assim, o uso de uma outra variedade, cuidada ou corrente, atendendo à formalidade, passa a ser obrigatório, visto que de um caso especial se trata. Qualquer variedade distinta das mencionadas, para o caso, passa a ser um erro e inadequado.

Foi o que Bagno (2007, pág. 118), diferente de muitos, disse:

‘’[...] em termos de língua, tudo vale alguma coisa, mas esse valor vai depender de uma série de fatores. Falar gíria vale? Claro que [...] vale: no lugar certo, no contexto adequado, com as pessoas certas. E usar palavrão? A mesma coisa. Uma das principais tarefas do professor de língua é conscientizar seu aluno de que a língua é como um grande guardaroupa, onde é possível encontrar todo tipo de vestimenta. Ninguém vai só de maiô fazer compras num shoppingcenter,nem vai entrar na praia, num dia de sol quente, usando terno de lã, chapéu de feltro e luvas...’’

Alguém se lembra do velho conceito de ‘’sujeito’’? Como é que a gramática o definia?

De tanto a gramática ser criticada pelos linguistas, achou por bem, e por uma questão de vergonha, reactualizar aquele conceito que havia atribuído ao sujeito, pois houve demonstrações de frases em que o nominativo-sujeito, embora não praticasse ou sofresse alguma acção, era visto como ‘’sujeito’’.

Ex.: o Caetano está doente.

Na frase acima, não há ideia alguma de que Caetano tenha praticado ou sofrido alguma acção. Ainda assim, isso não impede o Caetano de ser o sujeito daquela oração.

O que acontece aí, amigos, é meramente uma declaração/afirmação do ESTADO em que se encontra o Caetano. Devido a isso, a gramática teve de reactualizar e dar, apertadamente, uma nova visão sobre o sujeito, porque houve casos em que a ideia de prática ou de sofrimento de uma acção (risos) era inexistente, mas que ainda assim havia sujeito, havia!

Regressando à temática, tal como o conceito de sujeito era no passado, com o passar do tempo, a gramática fez uma reformulação. O mesmo deve fazer com o calão, porque ele, como uma variedade, já não é o que vimos nos livros didácticos, de gramática e prontuários de português. Embora no princípio o calão passasse a ser falado simplesmente por ‘’marginais’’, actualmente não é a mesma coisa. Houve mudança na língua. Os seus utentes multiplicaram-se, pois há quase pessoas de vários status social servindo-se do calão, mas adequando-o ao contexto, o que é o mais importante. Em sítios formais, às vezes, nota-se um pouquinho de calão, visto que o português local recebe influências fortes daquela variedade. Já é possível, nalguns programas radiofónicos e televisivos, o uso de calão. Tal variedade tem dado uma nova imagem à visibilidade e à audiência do programa, devido ao bom uso de um nível ou de uma variedade que agrada aos ouvidos dos seus ouvintes e telespectadores.

O calão, como uma variedade linguística, sofre preconceito, é estigmatizado, depreciado, ignorado, pisado, humilhado, etc. Todo o falante daquela variedade passa pelo mesmo - o que não é ético. São vistos como ‘’ladrões (tem-se generalizado)’’, como pessoas pobres de vocabulários, atrasados, enfim. Pensamos nós que, e essa é mesmo a nossa opinião, se a gramática reformulasse e actualizasse o conceito de calão, visto que já não é, hoje em dia, o que a gramática alega, evitar-se-á certos preconceitos, certas discriminações linguística e social do calão e daqueles que usam tal variedade. Toda a variedade tem um valor. Em termos linguísticos, nenhuma variedade é superior à outra.

No fundo o que se pretende com o presente artigo, é chamar atenção das pessoas no que à adequação linguística diz respeito, bem como dizer que o calão em si não constitui erro, e que o erro passa a ser quando não se respeita estes elementos da adequação: o quê, como, onde, quando e por que.

Adequando o nosso falar, o erro passa a ser inexistente.

CaetanoCambambe
Enviado por CaetanoCambambe em 01/12/2016
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