Dores, Valores, Tabus e Peconceitos       Obra de Luiz Carlos Formiga


Argumentações...
Para despertar consciências...
Para chegar aos corações!

À Luz da Doutrina Espírita
Uma “releitura”
De “estigmas”!

Amor e sabedoria...

Alavancas divinas!





NEU*, convite à reflexão


Texto conta a história de Helen Keller e discute preconceitos comuns

Luiz Carlos D. Formiga

Helen Keller (1), descendia, por parte paterna, de Gaspar Keller, suíço estabelecido em Marlyland. Entre os seus antepassados, consta o primeiro professor de surdos-mudos de Zurich, paradoxalmente, autor de um tratado sobre o tema.
Nascida a 27 de junho de 1880, em uma pequena cidade do norte de Alabama (USA). Helen aos 18 meses de idade viu-se, em virtude de uma doença desconhecida, privada dos sentidos da visão e da audição. Poderia ter vida instintiva e chegar à idiotia. Não aprendeu a falar, mas a fazer sinais para se comunicar. Movimentando a cabeça para os lados dizia "não". Para cima e para baixo - "sim". Puxando, dizia "vem" e empurrando, "não".

Anne Sullivan, irlandesa de 21 anos de idade, era recém-formada pela Escola de Cegos Perkins, em Boston e foi contratada pelo casal Keller, para ensinar a filha, de seis anos de idade. A professora inicia a árdua tarefa do seu processo de reabilitação. Com a jovem professora, aquela menina, que vivia num mundo sem som e imagem, aprendeu a distinguir seres e objetos com o toque das mãos e com essas experiências começou a ensaiar o raciocínio.
Desde o início, Anne tentou comunicar-se com Helen utilizando o alfabeto manual. O primeiro objeto que lhe mostrou foi uma boneca, desenhando, então, e simultaneamente, na palma da sua mão, os símbolos gráficos que compunham aquela palavra. Contudo, a criança não compreendeu a mensagem que Anne lhe pretendia transmitir, julgando apenas tratar-se de uma mera brincadeira inconseqüente. Um mês depois, ocorreu algo muito importante. Após muitos esforços, por parte da professora, a menina compreendeu, finalmente, a chave do enigma.
Examinemos suas própria narrativa:"Um dia, enquanto brincava com a minha boneca nova, a senhorita Sullivan colocou minha grande boneca de pano no meu colo, soletrou "d-o-l-l" (boneca) e tentou me fazer entender que "doll" se aplicava a ambas. Antes, naquele mesmo dia, tivéramos um desentendimento sobre as palavras "m-u-g" (caneca) e "w-a-t-e-r" (água). A senhorita Sullivan tentara me fazer entender que "m-u-g" era "mug" e "w-a-t-e-r", "water", mas eu persistia em confundir as duas. Desalentada, deixou de lado o assunto para retomá-lo na primeira oportunidade. Fiquei impaciente com suas repetidas tentativas e peguei minha boneca nova e a atirei no chão. Fiquei feliz quando senti os pedaços da boneca quebrada nos meus pés (...) e senti uma espécie de satisfação por ter desaparecido a causa do meu desconforto. Ela me trouxe o meu chapéu e eu percebi que iríamos passear lá fora sob o sol quentinho. Este pensamento, se é que eu possa denominar essa sensação intraduzível de pensamento, me fez pular de prazer.
Caminhamos até a fonte, atraídas pela fragrância das madressilvas. Alguém estava pegando água e minha professora colocou a minha mão sob o jato. Enquanto a água fresca jorrava em uma das mãos, ela começou a soletrar a palavra água na outra. Primeiro lentamente, depois rapidamente. Fiquei ali parada, toda a minha atenção concentrada nos movimentos dos dedos dela. Subitamente adquiri uma consciência não muito clara, como de algo esquecido uma excitação de retorno do pensamento; e de alguma forma o mistério da linguagem revelou-se para mim. Eu sabia então que á-g-u-a significava aquela coisa fresca e deliciosa que fluía pela minha mão. Aquela palavra viva despertou-me a alma, deu-lhe luz, esperança, alegria, libertou! Ainda havia barreiras, é verdade, porém barreiras que podiam ser derrubadas com o tempo.
Saí dali ávida por aprender. Tudo tinha um nome e cada nome fazia nascer um novo pensamento. No caminho de casa, cada objeto que eu tocava parecia pulsar. Era porque eu via a tudo com uma visão estranha, nova, que se me revelara (...) Naquele dia aprendi muitas palavras novas (...) palavras que fariam o mundo desabrochar para mim. Teria sido difícil achar uma criança mais feliz do que eu quando deitei na minha cama no final daquele memorável dia..."
A partir daquele momento, os progressos de Helen foram rápidos e sucessivos, graças à fraternidade, dedicação e empenho da sua professora, Anne Sullivan, que se manteve sempre a seu lado. No colégio de moças "normais", usei aspas porque o poeta diz que de perto ninguém é normal, Helen Keller foi recebida com relutância. Não podia ouvir as aulas ou tomar notas, mas mesmo assim, aos 24 anos de idade, concluiu, com distinção, a sua licenciatura em Humanidades, no "Radcliffe College".
Escrevia em inglês e francês e fez inúmeras conferências pelo mundo, incluindo o Brasil. Seus livros são admiráveis. Em "Minha Vida de Mulher" fala da sua religiosidade: "ninguém pode saber melhor do que eu o que são as amarguras dos defeitos físicos. Não é verdade que eu nunca esteja triste, mas há muito resolvi não me queixar. Eis para que serve a religião: inspirar-nos à luta até ao fim, de ânimo forte e sorriso nos lábios". "Mas, uma ambição eu tenho: a de não me deixar abater. Para tanto conto com a bênção do trabalho, o conforto da amizade e a fé inabalável nos altos desígnios de Deus". Como conciliar Carma e Misericórdia? O deficiente visual Chico Xavier respondeu: "Quando temos dívida na retaguarda, mas continuamos trabalhando a serviço do próximo, a Misericórdia Divina manda adiar a execução da sentença de resgate, até que os méritos do devedor possam ser computados em seu benefício"(6).
Helen teve um papel preponderante, na luta que empreendeu pela paz, pela defesa dos direitos das pessoas com deficiência visual e, nomeadamente, pela reabilitação e reintegração profissional daqueles que se tinham tornado deficientes por volta da Segunda Guerra Mundial. Defendia a aprendizagem das crianças cegas, em contacto com a natureza e com as outras crianças não deficientes, e não, como então era usual, em colégios internos - de ensino segregado.
Helen Keller faleceu no dia 1 de junho de 1968, legando- nos, com o seu exemplo, uma mensagem: a determinação e o querer são armas invencíveis, para se poderem vir a ultrapassar todas as barreiras aparentemente intransponíveis, como aquela que faz com que ninguém queira adotar o menino negro, órfão da AIDS, ao contrário do irmão de olhos azuis.
Não posso esquecer aquele dia em que fui o "médium de transporte", do professor Marcus Vinícius Telles e sua esposa Dulce. Sua companheira me faz lembrar que "por trás de todo grande homem existe uma grande mulher", empurrando-o. Nos dirigíamos a uma localidade próxima à Angra dos Reis, que fica a algumas horas do centro do Rio de Janeiro e, por isso, tivemos tempo para conversar animadamente. Posteriormente, nossos filhos, que aniversariam no mesmo dia, se tornariam também amigos. A missão de Marcus era mostrar O Evangelho segundo o Espiritismo, "de bolso", aos jovens espíritas, naquele agradável encontro. Diz ele que: "a juventude de hoje não se interessa mais por aprender o Braille. Os jovens acham mais fácil usar fitas, usar o DOSVOX, e não percebem que, sem o Sistema Braille, eles permanecem analfabetos".
Pimentel(5) pela internet relembrou o que conversamos no carro."O professor Marcus Vinícius cegou aos 23 anos de idade. Antes da cegueira, viajou para muitos países por conta da função que exercia na Marinha Mercante desde os 18 anos, e costuma dizer que, embora não tenha aproveitado o suficiente, não pode se queixar das inesquecíveis imagens que as constantes viagens lhe proporcionaram no tempo em que enxergava. O trabalho na Marinha lhe proporcionou mais de 100.000 milhas em viagens, o equivalente a 5 vezes a circunferência da Terra.
Marcus aprendeu Braille (IBC) em um mês, constituiu família e trabalhava como vendedor autônomo até que, com a chegada de seu primeiro filho, decidiu retornar aos estudos. Na Faculdade (Cândido Mendes/RJ), ingressou no curso de História, uma área que lhe despertava grande interesse, desde a época em que era da Marinha. Durante 44 anos, dividiu seu tempo entre as atividades docentes e as tarefas que assumiu à frente da SPLEB, Sociedade Pró-Livro Espírita em Braille, que ajudou a fundar em 1953 (Rua Thomaz Coelho, 51,Vila Isabel. RJ. CEP 20540-110. TEL.                (021) 2288-9844        ).
Permitam-me uma escapada. Na SPLEB, são muitas as tarefas. Há desde aquelas que estão diretamente envolvidas com a impressão de livros em Braille (dobra de papel, impressão, costura, encadernação) até aquelas mais simples e nem por isto, menos importantes do tipo: fazer café, ajudar a encher o filtro, conduzir alguém ao ônibus, etc.
O início da vida de professor foi muito dificultado pela deficiência visual, devido ao preconceito que sofria, até nas entrevistas com diretores nas escolas. Venceu as barreiras iniciais da discriminação e chegou a ministrar aulas em três colégios ao mesmo tempo. Sua história chega a se confundir com própria história da SPLEB, instituição de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal, pois sua participação desde a criação do primeiro estatuto foi um fator determinante para o crescimento da entidade. Hoje a SPLEB possui sede própria instalada numa casa de três andares, com Imprensa Braille, biblioteca (aproximadamente 400 títulos em Braille, audioteca, etc) e espaço para ministrar cursos de escrita, de operador de câmera escura, e de línguas como inglês e esperanto. Aposentado, é o 1º Vice-Presidente da SPLEB, que em 1997 esteve comemorando os 40 anos do primeiro livro espírita impresso em Braille: "O que é o Espiritismo", de Allan Kardec. A obra já existia em Braille desde 1928, mas apenas alguns exemplares escritos à mão na reglete.
A SPLEB conta com mais de 300 sócios, e tem sua subsistência garantida através de doações e da promoção de bazares beneficentes, mantendo-se principalmente graças ao serviço de transcritores voluntários na produção de livros da Doutrina Espírita em Braille para distribuição gratuita, desde 1957, a cegos, bibliotecas e instituições. Eleito "Cego do Ano", em 15 de outubro de 1997, "Dia da Bengala", pela ACIC(Ação Comunitária pela Integração dos Cegos), o professor Marcus Vinícius é mais um exemplo de persistência na superação das limitações geradas a partir da cegueira."
Luiz Antonio Millecco escreveu um artigo intitulado, "Cegos Espíritas" (2). Logo pensei no duplo sentido e conclui que não poderia ter o mesmo enfoque que dei num artigo na Revista Internacional de Espiritismo (3). O título dado por Millecco não poderia ser invertido, pois modificaria o sentido e abarcaria pequena parte da população espírita. Refiro-me àquela fração de "espíritas cegos", mesmo na universidade (4), que nem tomarão conhecimento do "Primeiro Congresso Internacional de Cegos Espíritas", na semana santa, 17 de abril de 2003, e que terá como tema Central: "O Cego e o Terceiro Milênio".
O Congresso de "Cegos-Espíritas" poderá discutir que a hipótese da sobrevivência da alma é aquela que melhor explicaria o fenômeno de visão em cegos, que médiuns ou não, poderiam se locomover em ambientes desconhecidos. Millecco indaga: "poderá o cego-médium, em desdobramento, transcender os limites que a cegueira lhe impõe?"
Na Revista Espírita, edição de março de 1864, páginas 72 a 75, da tradução brasileira (EDICEL, SP), Kardec se refere a aquarelas, com flores e paisagens, que foram feitas por uma jovem cega. Pesquisadores que duvidaram colocaram obstáculos entre seus olhos e o papel e perceberam que a jovem continuava a pintar e a desenhar com a mesma naturalidade, até porque não percebia a barreira de papelão. Mesmo que seja identificado como anímico, o caso não pode deixar de ser inusitado.
E sobre cegos e sonhos? Ofereço informação e deixo uma questão. Caso queiram ler sobre a "Interpretação Espírita dos Sonhos" vejam o texto que se originou de palestra no Centro de Pesquisas da Petrobrás (CENPES). Será encontrado nos "Artigos do NEU-RJ", nos seguintes endereços eletrônicos http://www.espirito.org.br/ ; http://zap.to/neurj/ ;http://www.ajornada.hpg.ig.com.br/. A questão é a seguinte: como interpretar o sonho de um cego de nascença? Millecco chama a atenção para a transcendência do tema em suas subdivisões naturais. Importante "atentar para o preconceito da sociedade em relação aos cegos".
Se não me falha a memória, a OMS registra 1.700.000 brasileiros com deficiência visual. Todos são penalizados, pois seus gastos específicos não podem ser abatidos e são "comidos pelo leão da receita federal". Ainda bem que eles podem votar.
Este preconceito começa na linguagem (como o "leproso" da hanseníase e as "venéreas" das doenças sexualmente transmissíveis). A linguagem no caso "é toda voltada para a visão", comenta o articulista Luiz Antonio Millecco. Oferece, ainda, exemplos como "faca cega" para indicar a faca que não corta; "nó cego"; "ponto de vista"; etc... Da linguagem o preconceito se transfere para a atitude. Isso se torna claro na "lepra", onde aparecem três níveis de afastamento. "Evitamento", quando nos esquivamos de qualquer contato (fraternidade) com a pessoa portadora do estigma. "Discriminação", conduta através da qual a sociedade lhes nega a igualdade de trato, impondo barreiras à sua participação. "Segregação", atitude onde está implícita a discriminação e desemboca no estabelecimento de limites especiais e no isolamento espacial (liberdade). Anne Sullivan sabia disso, Helen Keller soube mais tarde. Os antigos leprosos foram condenados a ficar "do outro lado da fronteira", como dizia um outro Antonio, o Magalhães Martins. Foram alijados da comunidade dos sadios, uma vez que saúde "é um estado de completo bem estar físico, mental e social".
A hanseníase sem tratamento pode levar a cegueira. Os doentes devem se organizar, porque saúde também é liberdade, que precisa ser conquistada. Os espíritas, que ajudaram a abrir as portas dos antigos "leprosários", não poderão ficar indiferentes. Com a mesma aparência, para facilitar aos médiuns "videntes", Leda estará presente. Vá abraçá-la mentalmente. Millecco diz que: "há ainda uma descrença geral, ou quase geral, nas potencialidades do cego e sua capacidade de se bastar e de cooperar para o bem comum."
Faço a pergunta e crio um gancho. Como a religião pode conciliar a justiça e a bondade de Deus, com o nascimento de crianças com AIDS? E, quando elas nascem cegas? Será a cegueira uma expiação; uma prova ou "para que nele se patenteiem as obras do poder de Deus"? O homem curado da cegueira, indagado pelos fariseus, lhes respondeu: "É de espantar que não saibais donde ele é e que ele me tenha aberto os olhos. Ora, sabemos que Deus não exalça os pecadores; mas, àquele que o honre e faça a sua vontade, a esse Deus exalça. "Desde que o mundo existe, jamais se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se esse homem não fosse um enviado de Deus, nada poderia fazer de tudo o que tem feito." Disseram-lhe os fariseus: "Tu és todo pecado, desde o ventre de tua mãe, e queres ensinar-nos a nós? E o expulsaram". (João, cap. IX, vv. 1 a 34.).
Isto parece indicar que os fariseus acreditavam que a deficiência física era conseqüência do pecado, mesmo sendo cego de nascença. Como explicar? Os apóstolos, mais humildes, foram privilegiados. Ao passar, viu Jesus um homem que era cego desde que nascera. Seus discípulos lhe fizeram esta pergunta: Mestre, foi pecado desse homem, ou dos que o puseram no mundo, que deu causa a que ele nascesse cego? Jesus lhes respondeu: Não é por pecado dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele se patenteiem as obras do poder de Deus. Tendo dito isso, cuspiu no chão e, havendo feito lama com a sua saliva, ungiu com essa lama os olhos do cego e lhe disse: Vai lavar-te na piscina de Siloé. Ele foi, lavou-se e voltou vendo claro. Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir esmolas diziam: Não é este o que estava assentado e pedia esmola? Uns respondiam: É ele; outros diziam: Não, é um que se parece com ele. O homem, porém, lhes dizia: Sou eu mesmo.Perguntaram-lhe então: Como se te abriram os olhos? Ele respondeu: Aquele homem que se chama Jesus fez um pouco de lama e passou nos meus olhos, dizendo: Vai à piscina de Siloé e lava-te. Fui, lavei-me e vejo.
Isto parece indicar que o deficiente físico não deve ser visto como reencarnação de um "malfeitor em outras vidas", mas, eventualmente, como "espírito redimido", com reservas morais suficientes para suportar duras provas e/ou expiações. Serão poucos os que terão oportunidade de ler este artigo, mas mesmo assim gostaria de pedir ajuda. Divulguem esse encontro fraterno. "Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?" Anotem que no próximo ano, 2003, a SPLEB comemorará 50 anos. Para marcar indelevelmente esta data, a instituição sem fins lucrativos, promoverá o Primeiro Congresso Internacional".(2) A data de fundação é 30 de junho de 1953.
Luiz Antonio Millecco, Marcus Vinícius Telles, e todos os companheiros gostarão de nos encontrar no abraço fraterno. Por isso inicio hoje a caminhada naquela direção, provavelmente, junto com você, que com paciência, me deu a honra de chegar até aqui. Se, durante o congresso, a natureza nos levar também a sua homenagem e oferecer borboletas coloridas entrando pelas janelas, que possamos descrevê-las para nossos amigos e amores com deficiência visual, com a mesma fraternidade, como o fez a senhorita Sullivan.
A menina Helen jamais esqueceria aquele dia, em que a água fresca jorraria em suas mãos. "Borboletas na Janela" é linguagem figurada e também um convite. Congressos de Esperanto têm quebrado barreiras e oferecido contribuição para que possamos recordar as palavras, colocando-as na ordem apropriada aos novos tempos: fraternidade, igualdade e liberdade. No exercício da fraternidade, com todo o encantamento, com todas as descobertas e satisfações proporcionadas por este congresso, iremos poder dizer como Helen Keller: "Teria sido difícil achar uma criança mais feliz do que eu quando deitei na minha cama no final daquele memorável dia e revivi as alegrias que tivera: e pela primeira vez esperei ansiosa pelo dia seguinte".

Referências Bibliográficas
1. Jornal de Parede. "Espaço Entre Nós". Edição nº3, Dezembro 2001. Delegação Regional do Sul e Ilhas da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal. R. de Santa Marta, nº46 - 2º, 1150. Lisboa. 2. Millecco, L.A. Cegos Espíritas. SEI, 1691: 3-4, agosto, 2000. http://www.universoespirita.org.br/spleb/spleb.asp 3. NEU-RJ Artigos. As Ciências Biomédicas, os Doutores, o Espiritismo e os cegos de nascença. http://zap.to/neu/rj/ 4. NEU-RJ Artigos. Na universidade. Indiferença ou medo? http://zap.to/neu/rj/ 5. Pimentel, AP. http://www.ibcnet.org.br/Paginas/meios_revistas/public/Revdez97/Perfil.doc 6. Silveira, Adelino da. Chico, de Francisco. Cultura Espírita União, São Paulo, 1987.

Fonte: http://saci.org.br/index.php?modulo=akemi&parametro=2789


 

 Segue, abaixo, texto do livro (1º Edição e a 1º tiragem de maio de 1996 ).
 E artigo que foi publicado no Jornal Espírita, SP em dezembro de 1991, sendo um registro  espírita histórico da epidemia, que era cruel com as indefesas crianças, na época.

As Epidemias (1990) e essas Pobres Crianças
 
Dr. Luiz Carlos D. Formiga
 
   A lágrima mais sentida é a do órfão desvalido.                 (Anália Franco)
 
"JR é hemofílico. Contundiu-se em um jogo de futebol. Pai analfabeto, desempregado (como outros 16 milhões de brasileiros) não tem recursos para a medicação indicada. JR foi ao hemocentro que atende hemofílicos. O longo tempo de internamento deixou-o nervoso. O "stress" prejudica o processo de coagulação. JR piorou, a ponto de sangrar em vários pontos do corpo. Os cuidados de enfermagem tiveram que ser constantes.
JR também está infectado pelo vírus da AIDS. Isolado, sozinho e com saudades passou a ter comportamento difícil, recusando a medicação, grita com médicos e enfermeiras. Tornou-se problema. No entanto, JR não é um paciente problema. É uma criança que está sofrendo, que quer levar uma vida normal, ir para casa e brincar. JR não sabe que tem AIDS. Seu estado emocional não permite que seja informado. Se ele não entende por que tem hemofilia, como explicar-lhe por que tem AIDS? JR tem apenas 11 anos."
O mundo, segundo a OMS, tem um milhão de casos sintomáticos e de 8 a 10 milhões de portadores da doença. Até o fim do século haverá 10 milhões de adultos com Aids, sendo 90% deles em países do terceiro mundo (50% na África, 50% na Ásia e Américalatina), onde a Aids pode matar um milhão de pessoas. Será epidemia heterossexual, diz a OMS, com número igual de homens e mulheres contaminados.  Há 19118 casos registrados no Brasil (junho de 91) segundo o Ministério da Saúde. Para 95 preve-se mais de 90 mil. Dados da OMS indicam que 50% dos casos registrados no mundo são em pacientes com menos de 25 anos de idade, que provavelmente contraíram o vírus entre 15 e 19 anos.
A doença atinge todas as classes sociais afetando não apenas a saúde física. Nesta situação é que percebemos quanto somos frágeis, dependentes e quanto, não nos conhecemos. A rejeição, a desconfiança e a solidão desequilibram a vida afetiva. O estigma impossibilita o exercício pleno dos direitos humanos básicos. O que acontece quando estamos diante de uma criança?
Em Recife, a maioria da população de hemofílicos era composta por crianças de zero a 14 anos (49%) e jovens entre 15 e 20 anos (13%). Isto se repete no resto do país. Menores abandonados e carentes eram 7 milhões em 1985 (dados Funabem). Iniciavam atividades sexuais entre 7 e 8 anos. Praticavam prostituição, entre 11 e 15 anos, 500 mil meninos e meninas.
E os bebês com pais que apresentam comportamentos de riscos?
A contaminação perinatal aumenta anualmente. Diz o congresso Internacional sobre AIDS, junho de 1989, no Canadá:" a vacina ou uma droga eficaz ainda são remotas."
As crianças podem ser realmente chamadas de vítimas da AIDS.
O que significa para uma criança ser portadora do vírus?
Os sentimentos de choque, culpa, negação, medo, raiva, tristeza, barganha, aceitação e resignação identificados, pela médica Kubler Ross, em adultos não se aplicam ao caso das crianças. Esta médica conhecida por trabalhar mais de 20 anos com pacientes de difícil recuperação, lhes oferece a preciosa oportunidade de vivenciar e trabalhar seus reais sentimentos diante da vida e do fenômeno a que chamamos morte. Diz a médica:" sentimos que estes encontros são sua última chance de colocar a casa em ordem e estabelecer a paz  com quem ainda possam ter algum desentendimento."
A morte é, para o adulto, um verdadeiro tabu. É situação que todos vamos vivenciar e deixamos sempre para pensar depois.
A noção de morte é nebulosa no universo infantil. Para elas o que é assustador é a reação dos adultos à sua volta. A saúde depende também de um ambiente físico, emocional e espiritual equilibrado. Quando o adulto não sabe o que fazer a criança se sente perdida e sua saúde é abalada.
Depois de passar por todas as fases descritas pela médica Kubler Ross a mãe que perdeu uma criança com 9 meses nos ofereceu o seguinte depoimento: " porém G. teimava em continuar viva, sobrevivendo além do tempo que calculavam que pudesse resistir. Era uma agonia para mim vê-la lutar pelas lufadas de ar. Então, apanhei-a nos braços e conversei com ela, dizendo-lhe que ficaríamos alí sentadas juntas até que partisse.  Uma hora e meia se passou e senti finalmente que ala ia embora, senti que deixava de lutar.  Cinco minutos depois deu seu último suspiro... vi sua alma subir, flutuando rumo à janela do outro lado do quarto, e senti que ela estava livre... livre enfim da dor e do sofrimento.
Não sei porque nos ensinam a ver a morte de forma tão perturbada e assustadora. Naquela noite de setembro em que G. morreu, senti a morte como um processo mais do que natural e, de certa forma, tranqüilo. Pareceu-me que quando deixei de resistir, rendendo-me a ordem natural das coisas, meu bebê pôde fazer o mesmo. Senti que a estava ajudando a se libertar do corpo, à qual aprendera a se apegar em apenas nove meses.
Esse exemplo deveria ser seguido por uma boa parte de pessoas que continuam, mesmo diante das inúmeras dores anginosas, dizendo: " Chico você não pode desencarnar, não saberíamos viver sem você".
Outro paciente muito definhado fez uma pergunta sobre a morte e a dra Ross deu-lhe uma borboleta que é o símbolo da nossa transição. Explicou-lhe que apenas deixamos o corpo físico: " a alma parte, continuamos a viver depois do que chamamos morte ". Creio que a médica, não espírita, passou a adotar essa postura depois que uma paciente voltou para lhe agradecer os carinhos que dela recebera no momento da sua "desencarnação".
Hoje a médica aconselha a seus pacientes que aceitem essa eventualidade e que viva o máximo e da melhor forma que puder. Um de seus pacientes comentou: " Minha mais fervorosa esperança é de que eu tenha sido útil de alguma maneira. De que minha vida não tenha sido simplesmente um "vazio" como chegou a ser. Tive mais vida e experiência nos últimos seis meses do que em todos os anos anteriores. É urgente que tomemos consciência do nosso papel pessoal e social frente a esta epidemia".
A contaminação pelo vírus foi confirmada em 62% dos 1289 hemofílicos brasileiros que fizeram o teste. Três quartos dessa população é de crianças e adolescentes. É muito duro saber que o contágio pode ocorrer através do medicamento de que necessitam para sobreviver.
O que fazer diante do crescimento assustador da população de menores carentes e abandonados que podem ser encontrados em qualquer cruzamento de rua?
Vivem desde cedo em um ambiente hostil, em contato direto com a marginalidade. Não existem barreiras para o uso de drogas e iniciação precoce da vida sexual. Como afastá-los do risco de contaminação que aumenta significativamente? Como não marginalizá-los ainda mais a partir da infecção?
Um bebê infectado é uma criança órfã em potencial. Os pais infectados poderão desenvolver a síndrome fatal.
Até julho de 1986, 321 casos de Aids em crianças norte-americanas, com menos de 13 anos de idade, tinham sido registrados. Mais de 60% dessas crianças haviam morrido. A doença resultou de infecção durante a gravidez, ou o parto, em cerca de três quartos dessas crianças. A maioria das outras crianças adquiriu a infecção pelo HIV através de transfusões. As transfusões de sangue parecem apresentar um risco maior para bebês do que para outros. Isto pode ocorrer porque os sistemas imunológicos dos bebês são imaturos, recebem uma dose maior do vírus em relação ao tamanho do seu corpo ou porque pode haver um período de incubação da doença mais curto.
Paraalguém que é muito jovem e está tentando entender o mundo é frustrante descobrir que viver pode ser algo tão doloroso e sem esperanças. A rotina social diária de um doente é diferente da de alguém saudável. Para uma criança esta diferença é desproporcional e inaceitável. Ela precisa se identificar com seus pares, com a família e com os grupos sociais para se sentir segura.
Vivemos num país onde se implanta marcapasso cardíaco em miocardite diftérica, doença da era colonial americana, prevenida por vacinação. Temos tido surtos epidêmicos em diversos estados brasileiros e nem os do sul puderam escapar. E o mais preocupante é saber que a incidência foi semelhante entre vacinados e não vacinados. Em se tratando da AIDS a melhor vacina no momento é a informação.
Os serviços de saúde estão preparados para enfrentar este desafio? A carga emocional, é muito pesada para os profissionais de saúde, principalmente quando se trata de crianças. A atuação dos profissionais de saúde mental é muito importante até junto aos colegas de profissão. (Nesta hora é que uma boa doutrina filosófica tem o seu lugar).  As universidades e os hospitais tem preparado adequadamente os profissionais para este tipo de questão?
O treinamento de um exército de voluntários é essencial, diz a dra Ross, "a quantidade de doentes necessitados e de famílias de pacientes da Aids aumentará sobremaneira. Nossos hospitais não terão capacidade de tratar de todos eles (isto na América do Norte), e, além disso, devem ser utilizados apenas para tratamento médico ativo, diagnósticos e emergências. Poderemos nos tornar extremamente vulneráveis às doenças, e ainda mais assustados, quando a quantidade de doentes passar de um milhão. Poderemos ainda fazer opções baseadas no amor, principiando a nos tratar para podermos servir aos que estão  agora com Aids ou outras enfermidades, manifestando carinho e compreensão para enfim aprender, antes que seja tarde, a lição derradeira, a lição do amor incondicional".
Não podemos esquecer que a sociedade tende a encarar a doença como uma metáfora, uma alegoria moral do pecado e punição.
No entanto, na língua inglesa a palavra AID significa ajuda. Qual a razão da coincidência? Não importa.  A AIDS conduz à introspecção. Mas nos obriga também a olhar o próximo. "E quem é o meu próximo Senhor?" Foi aí que Ele narrou a mais bela das parábolas.  "Um homem que descia de Jerusalém para Jericó..."
Qual a atitude do Samaritano (na época estigmatizado)? "Um sacerdote, descendo pelo mesmo caminho, o viu e passou adiante. Um levita, que também veio àquele lugar, tendo-o observado, passou igualmente. - Mas, um samaritano que viajava, chegando ao lugar onde jazia aquele homem e tendo-o visto, foi tocado de compaixão. - aproximou-se dele e ..."
De que forma ajudar?
Nos estatutos do Movimento de Reintegração do Hanseniano - MORHAN ou do Grupo Educar para Erradicar Hanseníase - GEPEH, vamos encontrar sugestões como reivindicar, bem como contribuir para elaboração de programas adequados de prevenção, diagnóstico, tratamento, informação e educação do paciente e da sociedade. Importante desenvolver trabalhos educativos que visem esclarecimentos, educação e conscientização do doente, família e comunidade, através os meios de comunicação em geral. Na medida de suas possibilidades editar livros, jornais, revistas, boletins, materiais didáticos, cartazes, impressos de qualquer natureza e cursos.  Já sabemos como agir, agora só falta esquecer que a sociedade é algo abstrato e perder a sensação de que não fazemos parte dela. "Agora é ação." É preciso LUTAR, RESISTIR, REAGIR. " Quem é o meu próximo Senhor?"
Diferente daquilo que disse o Jobim, o Tom, a saída nesta hora não pode ser o aeroporto do Galeão.
 
Fonte:Jornal Espírita, FEESP, SP, em dezembro de 1991.  Do Livro "Dores, Valores, Tabus e Preconceitos". CELD Editora, RJ. RJ. 1996 (Esgotado).