É Verdade que Budistas não acreditam em Deus?

Os primeiros estudiosos do Budismo no mundo ocidental disseram que o Budismo é uma religião sem Deus, o que é uma verdade, concluindo com isso, tratar-se de uma religião ateísta, o que não cabe ao caso.

No mundo ocidental essa conclusão traz perigosas implicações, pois as pessoas são dualistas e se você não estacionou num extremo, elas acreditam piamente que você esteja no lado oposto a isso. Mas nesse caso, você não pode ver o Budismo como religião ateísta, nem como religião teísta. Ele está fora dessas duas categorias.

Buda, em geral, não dava resposta para esta pergunta, contudo, outras vezes dizia que “Deus existia”, o que aplacava um pouco o orgulho daqueles que achavam não existir nada superior a eles mesmos , ou dizia que “ não existia”, para desencorajar o comodismo dos que não assumiam suas responsabilidades, pois transferiam para Deus o trabalho de realizar algo em suas vidas ( consultar Sutra Lótus, foi a base desse parágrafo)

Na verdade, o Budismo deixa para você essa conclusão. Aqui nada é imposto, não há parecer a esse respeito. Ao longo desse artigo vamos entender por que é assim...

A razão principal de esse assunto ter sido tratado por Buda dessa maneira é que, seus ensinamentos eram apropriados para extinção do sofrimento (criação mental) e o alcance da iluminação (possibilidade inerente ao esforço pessoal). Ele sabia muito mais do que dizia, mas que divulgar isso era inoportuno e prejudicial. O Buda sempre foi muito prático e direto, recomendava aos seus discípulos absterem-se de todo tipo de especulações, informando que elas não eram úteis para o propósito da iluminação, e que, ao contrário, poderiam aumentar ainda mais a confusão mental e as aflições.

O Budismo é uma religião que não prescinde da experiência pessoal, por isso nenhum praticante budista sério vai querer impor a outrem seus pontos de vista e crenças, sejam quais forem. Não há pessoas ditando o que você deve fazer, administrando sua vida em seu lugar. Na prática budista, concentramo-nos prioritariamente nas ações da nossa mente e do nosso corpo, identificando quais tipos de pensamentos, palavras e ações desencadeiam o sofrimento e quais as ações são apropriadas para restaurar a calma e a clareza mental, assim, estamos engajados em desmantelar o desculpismos e as verdadeiras causas das afliçoes, pondo um fim na velha mania de atribuir a outrem, sejam pessoas, deuses, espíritos ou demônios, ou mesmo ao azar, a causa das nossas desditas.

A prática budista gera maturidade e nos faz ver que precisamos mobilizar nossas forças, desenvolver nossas energias e talentos e assim deixarmos de nos escorar nos demais, saindo da eterna espera ou do comodismo. Acabamos por reconhecer que nossas decisões são nossas decisões e enquanto esperamos que os outros ou as divindades nos deem isto ou aquilo, vamos adiando nosso despertar e atrofiando pelo desuso as possibilidades da mente e do corpo.

Reconhecemos que enquanto seguirmos culpando os outros, os espíritos e demônios, ou mesmo os azar pelos nossos erros, também perdemos a oportunidade de enxergar o quanto nós nos sabotamos com pensamentos e atitudes negativas e desacertadas, nascidas na falta de reflexão e de autoconhecimento.

O Budismo é uma religião que estampa aos nossos olhos a responsabilidade pessoal pelos nossos atos e suas consequências. A prática budista consiste nisso: um verdadeiro engajamento na purificação da mente e no cultivo de virtudes como o desapego, a compaixão e a generosidade para extinguir as ilusões, os desejos excessivos e a raiva, que são infestações mentais insalubres.

Por isso o Buda se afastava de experienciarem debates apaixonados, pois via que a especulação mental não nos tira do atoleiro, mas nos afunda ainda mais no lamaçal das aflições e na perda de tempo. Ele dizia aos seus discípulos para examinarem suas palavras, advertindo ainda que era indispensável experienciarem o ensinamento para extrair da vivência pessoal o seu real significado. Logo, ele não expunha ensinamentos para que se transformassem em inquestionáveis objetos de crença e sim, de acurado exame e prática.

Na vida, algumas questões são subjetivas, outras objetivas. Por exemplo, se você contemplar a si mesmo e a própria natureza, perceberá a Impermanência, a Lei de Causa e Efeito, e etc. Poderá sentir o gosto de uma fruta, ou sentir o vento tocando seu rosto. São experiências objetivas. A crença em Deus pertence ao campo subjetivo das pessoas. Cada um terá suas razões pessoais para sustentar suas posições e preferências.

Você pode ter tido uma experiência pessoal que lhe revelou a existência de Deus e outros dirão que tiveram experiência pessoal mostrando Sua inexistência, mas não se pode esperar ou exigir que as pessoas tomem emprestada sua posição pessoal a esse respeito. Seja o que for que escolheu para sua vida, isso é seu, só seu.

Não se pode usar os termos do Budismo, da Ciência, ou das demais filosofias para dar um "parecer definitivo" sobre o assunto, já que tudo que afirmarmos fora da mais viva e genuína experiência pessoal é suposição.

Pode-se dizer que, definitivamente, Buda não proclamou a inexistência de Deus, e nem mesmo Sua existência, assim o Budismo não pode ser considerado uma religião ateísta nem teísta pois não afirma nada a esse respeito. O Budismo é construído no não- dualismo, mas nossa prática começa por aquilo que podemos avaliar e conceber.

Entenda o Budismo como caminho da responsabilidade pessoal, que não entra no mérito das especulações inconclusivas, recomenda esforços para urgente extinção do sofrimento gerado por nós mesmos e a produção de ações concretas que beneficiem os seres vivos. No campo filosófico, o Budismo nos deixa inteiramente livre para experimentarmos a vida e chegarmos às nossas próprias conclusões, isto é, saber por experiência própria. Tenha as suas próprias respostas e não pegue emprestado as dos outros, mesmo os ensinamentos do Buda não devem ser adotados sem uma clara consciência do que eles significam.

Nos assuntos que nada sabemos cabe mesmo um honesto "não sei" ou então " não sei, mas acredito que seja assim", deixando claro tratar-se de uma opinião pessoal.

Se tivermos uma visão direta sobre estes assuntos, saberemos que o tema estaria resolvido apenas para mim ou para você, mas seriam as nossas conclusões. Os demais terão intacto o sagrado direito de não partilhar delas, pois a experiência não sendo deles, faz com que o assunto siga naturalmente pendente para eles. Se você acredita ou não na existência de Deus, não tenho interesse em me entrometer nisso.

O que o Buda propõe é o esforço pelo auto-conhecimento a decisão de não mais tornar-se, dia a dia, vítima de si mesmo, da mente iludida, pondo um fim nas confusões e nas aflições que geramos e que desencadeiam todo tipo de sofrimento que acabamos por experimentar.