O papel

Este poema também é da minha autoria e faz parte da antologia poética Asas de Anjo que integra o projeto Simplesmente Tita, disponível para leitura no Wattpad. A propósito, todos são bem-vindos por lá.

*******

Uma folha sulfite em branco suscita a um convite.

Você pode dar de ombros e dizer que é uma só uma folha de papel sem serventia alguma.

Engano seu.

Uma folha de papel esconde o faz-de-conta.

Você nunca brincou de faz-de-conta?

Quando você cresceu, seu coração se endureceu?

Rezo para que não...

Olhar com o coração permite que um novo mundo se construa com o lápis a postos.

Uma folha de papel é tudo de que se precisa para dar vazão a um novo mundo...

Sim, admito que a sincronia entre o universo da mente não se concretiza integralmente para a realidade, mas o lápis é o porta-voz do papel.

Honrada seja a tentativa.

Você nunca parou para pensar nisso?

Os traços deixados naquele vasto e inóspito horizonte registram o olhar de uma alma.

Da sua alma...

Eu quero ver o que existe em sua alma...

Deixe-me ver você como é sua alma sem as vestimentas que cobrem-na do mundo.

Deixe-me conhecer o seu mundo.

Eu abriria as portas do meu mundo se você não demonizasse minha poesia.

Eu abriria o meu coração e a minha vida.

Eu poderia desenhar você nessa folha de papel e te eternizar na ponta de um grafite para tatuar sua memória nos murais da alma.

Eu poderia escrever uma história sobre mim e você.

Fechar os olhos e lembrar que você não está aqui...

Eu era boa no faz-de-conta.

Poderia imaginar que você está aqui por minha causa e que o infortúnio foi uma inverdade, um sonho ruim numa noite qualquer.

Boa de verdade eu queria ser em fazer de conta que meu coração era inquebrável.

Falhei miseravelmente...

E até hoje eu tento fazer de conta que estou viva por dentro.

O papel é o meu desfibrilador.

Sou poesia para quem me enxerga como tal.

O lápis remendou os fragmentos alinhavando as lágrimas aos pontos convergentes.

Na ausência de calor humano, o papel foi meu anjo.

As folhas da bíblia, aquele caderno que guardava minhas utopias, aquele novo mundo que ficava situado a tantas léguas do meu naufrágio mental.

O papel é o ouvinte de um coração criativo porque nada lhe satisfaz mais do que o ponto final de uma história bem contada.

Final feliz não é garantia, apenas uma probabilidade bem pequena, aquela ilusão que em doses suaves acalenta o cansaço.

Uma folha sulfite pode registrar os infortúnios de um ser incompreendido, como eu, que grito com a caneta para não fazer ruídos, grito com as teclas para um mundo que não me escuta.

Talvez eu me sinta mais acolhida dentro dessa concha quente de faz-de-conta.

Esquisita por maioria de votos.

Porque eu falo com o papel e ele se revela mais confiável do que as pessoas ao meu redor.

As pessoas que eu crio no papel têm aroma de sonho.

Eu gosto delas.

Eu gosto de estar com elas.

De viver este sonho entre um intervalo e outro da realidade.

Rabiscando eu aprendi a desenhar minhas modestas asas.

Eu quero voar.

Como eu gostaria de ser um pássaro só para ver o mundo lá do alto.

Queria alimentar a minha alma de coragem.

E voar alto, alto, alto...

Queria voar tão alto que a dor não me alcançasse, que minhas asas estivessem livres de qualquer espécie de reprimenda...

Ser um pontinho pequenininho num céu imenso e infinito como uma folha de papel.

Olhar com o coração me permite amar a poesia e nas minhas estruturas abaladas florear esperança.

Pode ser uma simples folha de papel para você que cansado de encontrar o parágrafo perfeito abre mão de reconhecer que seu mérito se encontra envolto de coragem.

Você entendeu que o papel pode ser seu amigo como é o meu, como você poderia ser se não se limitasse a julgar a aparência e me medir com base em convenções que nem sequer nos definem.

Gosto do papel pra escrever, mas fazer o papel dele nunca me apeteceu.

O papel não tem consentimento, mas eu sou gente e tenho.

O papel tem a voz que eu der a ele.

O papel pode ser o que eu quiser porque enquanto rabiscava meus sonhos mais loucos nele eu também descobri que poderia ser o que quisesse.

O que eu quiser.

Ei, depois de tudo isso você ainda acredita que uma folha em branco não significa nada?

Farei de conta que acredito...

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 01/11/2017
Código do texto: T6159408
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2017. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.