A espera do barco


"O céu desmoronou-se em tempestade de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam casas, derrubando as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações". Gabriel Garcia Márquez - Cem anos de solidão.

Você disse que seria meu porto seguro e me esperaria a vida inteira, quando eu quisesse ancorar meu barco. Resistiria aos estrupícios dos furacões e dos naufrágios. Ancorei meu barco em inúmeros portos desnorteados, onde a bruma embaçava a visão. Portos abandonados, carcomidos pela maresia. Tristes portos. Ancorei e neles deixei um pouco de vida. Contudo me impregnei um pouco de suas agonias.
      Este é o preço a pagar por navegar em águas obscuras. Por isso meu barco navega com a carga da solidão dos portos abandonados, mas feliz por ter proporcionado alegrias. Portanto, ainda que venha ancorar meu barco em seu porto seguro, haverá dentro de mim as brumas de outros portos e as luzes tênues dos círios que romperam as brumas dos amores desnorteados.


Do livro A Moça do Violoncelo - página 67 - Edição 2015 - Últimos exemplares