Fireflies in the Dark - parte 2 - encontros

Segui o recepcionista pelo corredor com cheiro de mijo, aquilo me lembrava muito a cadeia. Pelo menos lá era de graça. Tinha umas portas abertas e dava pra ouvir berros e ver algumas pessoas enchendo a cara antes de sair pra noite fudida dessa rua. Imagino se essas pessoas pensam em algo. Acho que não pensam em nada, só vivem e vivem e vivem. Tudo bem, que seja. Pode ser do jeito que for, contando que seja cada um na sua eu não ligo a mínima.

Chegamos num quarto. Tinha uma cama empoeirada com um lençol grosso verde. O piso era de madeira e a janela dava pra Broadway. Tinha uma escrivaninha e umas duas cadeiras em cima de um tapete velho. O cara me deixou a chave e foi embora. Eu deitei na cama, tirei os sapatos e a camiseta. Pensei que talvez fosse uma boa tomar um banho. O banheiro até que era limpo. Tinha um sabonete usado com um pêlo grudado. Eu usei mesmo assim. Toquei uma punheta e lavei a cabeça. Me sentia confortável pra caramba. Fui peladão ate a janela e fiquei olhando o movimento. Vi uma banquinha de livros do outro lado da rua e resolvi contar o dinheiro pra ver se dava pra comprar alguma coisa. Não dava. Mas eu tava com vontade de relaxar a cabeça. Devia arrumar um jeito de arrumar uma graninha. Gritei pro cara na rua:

-ei. Você aí dos livros.... ei... da banca dos livros- gritava com toda força, ele só foi me ouvir no quarto berro.- você tem Spiderman? O que? Spiderman!! E Crumb? Tem? Guarda aí que eu já tou indo.

Nossa, tava mesmo afim de ler um gibi do Crumb pra relaxar essa noite. Um achado. Mas se eu gastasse a grana ia ficar liso no outro dia quando pagasse a conta. Tava pensando no que fazer quando ouço alguns gritos vindo da janela do lado. Dava pra ouvir o cara falando “sua puta, chupeteira de cu, você vai morrer, vadia”. A mulher só gritava, calculei que ela devia estar apanhando. Nem deu tempo de me trocar, eu saí do quarto peladão mesmo e entrei no quarto onde tava vindo os gritos. A porta tava entreaberta e eles estavam no banheiro. O cara tava enfiando a cabeça dela na privada e puxando a descarga. Ela já estava pedindo socorro fazia algum tempo. Eu não me intrometo na vida das pessoas mas quando alguém pede socorro é porque ta querendo ajuda. Cheguei no banheiro chutei as costas do safado. Ele caiu no chão. Quando me viu pelado deve ter ficado muito furioso e sem entender nada. Aí eu pensei que ele podia ter alguma arma lá, e me arrependi por um segundo de fazer o que fiz, um pouco de medo misturado com minha habitual covardia, mas ele foi levantando fervendo de ódio e eu dei um pontapé nele. Pegou de calcanhar na cara e ele caiu de novo. Eu fui pro quarto e peguei o abajur que tava do lado da cama. Nisso ele já vinha atras de mim. Eu não tive escolha. Ele levou uma surra gostosa de abajur. Apanhou até desmaiar. A mulher começou a dizer obrigado depois que ele caiu e eu não tive tempo de fazer nada. Ela me agarrou e me abraçou. Ela era gostosa e meu pau começou a ficar duro. Mas eu tinha que por a cabeça no lugar. Vesti uma calça do cara e peguei os sapatos dele. Ele tinha uns cinqüenta paus no bolso. Desci na banca e comprei meu gibi do Crumb. Subi pro quarto dela de novo e o cara ainda tava desacordado. Mal cheguei ela já veio agradecendo e enfiando a mão dentro da calça. Não resisti e fizemos sexo ali mesmo. Ela fodia gostoso mesmo. Nem consegui imaginar porque o cara tava batendo numa mulher que fodia daquele jeito.

Quando acabamos trancamos ele lá dentro e fomos pro meu quarto. Fudemos mais um pouco e ela dormiu. Fiquei lendo o gibi. Nem sabia o nome dela. Deviam ser umas três da manha quando resolvi sair e dar umas voltas. Dei uma espiada no quarto e o cara ainda tava no chão. Achei que tinha matado ele e fui conferir mas ele tava respirando então me mandei rapidinho. Não sabia que tinha batido tão forte nele. Que se foda, ele mereceu de qualquer modo.

Fui andando e voltei naquele barzinho estilo rock’n roll. A garçonete ainda estava limpando o balcão. Tinham só dois caras no bar. Um no meio do balcão e outro na ponta. Quando ela me viu deu um sorriso simpático e veio falar comigo:

-oi, sabia que ia voltar.

-pois é- eu disse, ela tinha umas coxas bem firmes.

-você não me disse seu nome.

-é Juan- eu adoro falar que chamo Juan, Pancho ou Alejandro. São meus favoritos. Acho divertido.

-sério, que nome legal- ela disse sorrindo com os olhos bem abertos. Ela até que tinha uns olhos bonitos.- eu me chamo Luiza, mas o pessoal me chama de Lu.

-é, olha Lu... eu tenho que voltar pro meu hotel, tá afim de vir comigo? A gente compra algo pra beber...

-espera um pouco- ela disse- deixa eu acabar de arrumar as coisas, dez minutos.

Ela foi pra dentro do escritório e eu fiquei olhando pros caras sentados. Já não tocava mais nada e o bar fedia a vomito. Provavelmente alguém de porre esvaziou em algum canto qualquer. Um dos caras saiu e deixou uma nota de cinco no balcão. Não tinha ninguém dentro por isso fui lá e peguei. O outro cara levantou e veio na minha direção:

-eu vi isso- ele disse meio bravo

-isso o que meu chapa?- respondi. Sabia que ele ia criar confusão, mas cinco paus eram cinco paus.

-devolve a nota que eu vi.

-olha cara, eu não sei do que você tá falando, vamos deixar isso como está.

-se você não devolver eu vou gritar e alguém vai vir te dar porrada.

Eu vi que ele estava meio alterado, então disse que devolveria. Dei a volta no balcão e abri o caixa. Tava cheio de grana. Quer dizer, devia Ter uns cento e cinqüenta, duzentos paus lá. Eu peguei o que deu e enfiei no bolso. Pulei o balcão, peguei uma cadeira e enfiei na cabeça do cara. Ele caiu mas ainda tava acordado. Resolvi sair correndo mas vi que ele tava tirando um revolver da cintura. Ele tava meio zonzo então dei outra cadeirada nele. A cadeira quebrou e ele parou. Peguei a arma e guardei.

Lu saiu do escritório. Devia Ter ouvido o barulho. Peguei ela pelo braço e corri pra fora. Ela começou a falar algo sobre o patrão dela. Acho que ele deve ter chamado a policia. Eu não me dou bem com policia, não seria legal ficar por la. Fomos pra pensão. Olhei no quarto do cara e ele não estava mais lá. A camareira estava arrumando. Devia ter se mandado. Devia estar procurando pela namorada. Nem pensou na possibilidade dela estar no quarto ao lado. Mas eu também ficaria confuso se estivesse brigando com minha garota e aparecesse um cara pelado e me desse uma surra com o abajur.

-quem é essa na cama?- perguntou Lu quando entramos no quarto.

-pra falar a verdade, eu não sei o nome dela não.- respondi – mas ela não vai atrapalhar, eu garanto.

Tirei a garota da cama e coloquei no tapete. Cobri-a com um lençol que estava nas cadeiras. Lu se encostou em mim. Começou a me beijar. Eu tirei a blusa e a saia dela. Ela tinha um corpo forte, bem bonito. Ela desceu. Fazia um trabalho excelente com a boca. Do jeito que eu pensei. Devia ser umas cinco e meia quando fomos dormir. Coloquei as garotas na cama e dormi no carpete.

Acordei no outro dia deviam ser umas duas horas. Estava com a boca horrível. Pensei em sair e comprar uma escova de dentes. Olhei par cama e vi que as garotas já tinham se conhecido. Não paravam de se beijar, não deram muita bola quando disse que ia sair. Descobri que o nome da outra era Camila. Masquei um Copenhagen e meu sangue voltou a circular direito.

Saí e além da escova comprei também um óculos escuro. Odeio esse sol filho da puta nos meus olhos. E fazia tempo que eu não via ele tão brilhante. Quando cheguei na pensão elas estavam no banho. Tirei as roupas escovei os dentes e entrei no chuveiro. Foi uma foda gostosa. Depois fomos pra cama e ficamos comendo e fodendo até umas seis, seis e meia. Foi quando Lu disse que tinha de ir trabalhar. Pegou as suas roupas e saiu, mas disse que voltava a noite e que traria uma garrafa de whisky. Eu nem sei se a noite eu iria estar lá. Provavelmente não.

Camila e eu ficamos deitados na cama fumando uns cigarros. Ficou um silencio de pelo menos dez minutos quando ela virou e disse:

-e você... o que você faz?

-como assim?

-quero dizer, você faz alguma coisa, deve viver de algum modo alem de ajudar pessoas pelado por aí.

-é...- respondi- eu sou professor. Ensino filosofia.

Ela ficou em silencio por alguns segundos e depois explodiu numa gargalhada muito alta:

-ah... serio? Cara você tem cara de tudo, menos de professor de filosofia. Na boa, eu poderia chutar todas as profissões do mundo que nunca diria professor, quanto mais de filosofia.

-é, a vida é assim. E você que faz da vida? Pelo que eu vi você não trabalha, ou então esta matando serviço.

-fui casada uma época- ela respondeu- uns quatro anos. Ele era policial, não queria ter filhos. Morreu num tiroteio. Hoje eu vivo da pensão.

-sinto muito.

-não esquenta. Porque você não esta dando aula?

-tirei uma semana de folga. Resolvi voltar a Portland pra resolver uns problemas.

-você é de onde?- ela perguntou.

-sou de Montana. Legal lá, eu gosto. Sou filo de sulistas, cresci a sombra da Navy Jack e da Bonnie Blue. Onde você conheceu aquela figura? É seu namorado?

-não, nem é. Nos conhecemos a uns dois meses numa boate GLS. Saímos de vez em quando, alguns fins de semana.

-tem que Ter saco pra aguentar esse indivíduo por dois meses, hein?

-ele é brocha.

-o que? Como assim?- perguntei.

-ele é brocha. Me bate porque acha que a culpa é minha.

-cara, que mundo louco...

-me conte sobre você... você é tão misterioso... enigmático.- ela disse.

-mais tarde. Acho que vou sair pra comprar cigarros.

Ela foi ao banheiro. Juntei minhas coisas, o dinheiro, fui na recepção e paguei a conta. Já eram sete e pouco e eu estava varado de fome. Comprei um maço de cigarros num boteco e resolvi procurar uma lanchonete. Minha tatuagem estava doendo, não mexia o braço muito bem.

Encontrei uma lanchonete que não parecia tão porca então sentei e pedi um lanche. Fiquei lá vendo televisão. Estava passando um programa de luta livre. Eu sempre gostei de boxe e dessas lutas. É legal ver os caras se socando. Particularmente eu acho boxe o esporte mais cruel que existe. Os caras não podem usar os pés, então é de igual pra igual, só socos e socos, e o cara vai cansando, sabe, morrendo aos poucos, definhando em cima do ringue. Animal isso. Enquanto comia o lanche o jornal passou alguns resultados de baseball. Já não dava mais pra mim esse fim de semana. Já tinha errado três jogos nas apostas. Quem sabe na semana que vem. É uma questão de tempo, ainda acerto nessa porra.

Acendi um cigarro. Fiquei fumando e bebendo uma merda duma coca cola. Não sei se foi vantajoso trocar o álcool por essa coisa, mas pelo menos eu não fico idiota quando acabo de beber. E me livrei das anfetaminas. Elas me ajudaram bastante na cadeia, um pouco depois que eu perdi a Paty. A culpa foi minha. Não devia ter surrado aquele imbecil. Mas ele tinha batido nela e ninguém bate na minha garota.

Saí da lanchonete e ascendi outro cigarro. Tava fumando pra caralho. Foda-se, sempre fumei pra caralho. Devo ter câncer. Devo ter mesmo. Passei por algumas garotas de programa e vi que elas estavam fumando um baseado. Um senhor baseado. Do tamanho do meu dedo médio. Parei na calçada e pedi uns tragos. Ficamos lá fumando um tempo. Eu tava querendo relaxar um pouco mesmo. De vez em quando um baseado me deixa na boa. De vez em quando me deixa numa deprê dos diabos, por isso não fumo quase nunca. Enquanto a gente fumava eu vi dois caras conversando meio estranho. Quer dizer, eles estavam agindo de um modo meio suspeito, meio fora do normal. Me despedi das meninas e resolvi chegar mais perto pra averiguar. O que eu ouvi foi isso:

-acontece que o cara não tá aqui- disse um deles. Era negro e magrelo. Usava uma jaqueta surrada do Tacoma Rainiers. Tinha um brinco dourado.

-mas ele garantiu que o cara ia passar. Calma – dizia o outro. Esse era branco, meio gordo e usava uma camisa azul clara com uma calça jeans rasgada.

-já esperamos quarenta minutos- disse o negro.

-calma, ele vem.

-e qual é a jogada?

-bem, na hora em que ele aparecer, a gente segue ele até a Yamhill, então a gente acerta ele e pega os cheques pro Wilson.- disse o gordinho.

-eu não confio no Wilson. Acho que aí tem coisa.

-eu também não, mas ele paga bem não paga? Então acabou.

-acho que a gente podia fugir com esses cheques.

-ta louco?- gritou o gordinho.- nem sei por que te chamo pra fazer essas coisas. Essas idéias de merda que você tem.

O resto do papo seguia a mesma linha, o gordinho convencendo o crioulo a pegar os tais cheques e ele dizendo que não confiava no tal Wilson. Pelo que pude entender esse cara era um imbecil que dava uma de mandante pra não sujar a bunda e no fim ficava com o grosso da coisa. Devia Ter bons contatos. É disso que você precisa pra enriquecer. Não é de trabalho honesto nem de golpes de sorte. Só de bons contatos.

Um tempo depois que eu tava ouvindo os caras, cerca de uns três ou quatro cigarros seguidos, eles disseram “olha lá” e começaram a andar. Logo vi que seguiam um cara engravatado que ia pra Yamhill Street. Mas pra chegar lá, do ponto em que estávamos era preciso atravessar uma travessa, que não era lá muito iluminada. Calculei que atacariam lá. Resolvi esperar e na hora certa agir pra passar a perna nos idiotas e ficar com os tais cheques.

O negocio era que os dois seguiram o cidadão até a tal ruazinha e bingo! Pegaram ele lá. Nem bateram nem nada, só conversaram, mas eu vi que estavam ameaçando firme. Então pegaram uns papeis e cada um foi pra um lado. Era tudo que eu queria. Mesmo porque os papeis tinham ficado com o negão. Acho que ele deveria estar preocupado mesmo. De qualquer forma eles deveriam Ter marcado de se encontrar em algum lugar. Eu tinha que ser rápido. Encostei na parede e esperei o cara passar por mim. Fui atras dele e, antes de chegar na Broadway dei-lhe um soco na nuca. Qual foi minha surpresa quando o negão vira pra trás e diz “quale meu irmão?”. Meu plano era desmaiar ele com o soco. E nisso meu plano já tinha ido por água a baixo. Resolvi atacar. Ele veio pra cima sem medo. Me deu uns sopapos bem dados. E quando eu caí no chão me chutou um monte de vezes. Senti minhas costelas virando farinha. Nunca tinha apanhado tanto. Quando pude me levantar nem sinal mais do safado. Saí mancando e me sentei na beirada da calçada bem longe daquele lugar. Minha boca estava cheia de sangue. E meu rosto todo ralado. Tava doendo pra burro. Deviam ser umas dez horas. Resolvi não gastar mais grana. Peguei uns papelões e dobrei na calçada. Foi uma noite de cão.

Acordei no dia seguinte e me lembrei do revolver. Podia Ter usado ele contra o safado. Mas quando apalpei a cintura vi que estava sem ele. Devia Ter esquecido no quarto do hotel. Foda-se. Levantei e comecei a andar meio cambaleando. Meu corpo doía mais agora do que na noite anterior. Deviam ser meio dia mais ou menos. Entrei numa casa de apostas e fiz um jogo. Tava acumulado. Uns três ou quatro milhões. Não fazia diferença. Queria ganhar qualquer merda. Minha dor nas costas tava insuportável. Sai da casa de jogos pensando numa maneira de juntar uma grana pra comer e ir embora pra Livingston. Não ia mendigar. Nunca precisei fazer isso. Mas com o salário de fome que me pagavam naquela escola eu bem que tava precisando mesmo. Fui andando, vendo as pessoas passando. Todas feito zumbis. Andando na merda mole que era a vida delas. Odeio a sociedade. Nunca foi diferente. Nunca suportei me infiltrar no meio deles. Todos uns mijões. Cagando suas vidas de merda. Mas que bela bosta, eu também cago a minha e não tou nem aí. Que se fodam, deus e o mundo. Há, que se fodam. Hilário.