Fireflies in the Dark - parte 3 - desencontros

Veio um garoto e me entregou um daqueles panfletos de rua. Antes de amassar eu dei uma olhada. Era um texto de uns tais Amigos do Rei. Coisa revolucionaria. Me pareceu meio socialista. Não quero nem saber, me enche o saco isso tudo. Esse negocio de política e tal. Bem que eu queria ser amigo do rei. Qualquer rei tava valendo. Nem li direito o texto e joguei por aí. Esses moleques são como todos: querem mudar o mundo. Transforma-lo em um lugar melhor pra se viver e blá, blá, blá... ainda vão se decepcionar muito nessa porcaria de mundo. Mas não era eu que ia dizer isso a eles. Me vendi. Baratinho. Foda-se. É como eu sempre digo, todo mundo tem preço.

Eu mesmo já me vendi muito mais barato do que um salário de fome. Já me vendi por vinte contos ou menos. Não adiante querer fugir da merda do passado da gente porque ele sempre esta atras de você. Literalmente. Só o que se pode fazer é encara-lo com um sorriso fresco na boca e pensar “puta que pariu”. Só isso., pensar sempre “puta que pariu”, se bem que um “que merda” também vai bem.

Eu sei que eu não presto. De vez em quando tenho até vergonha do que faço, mas aí eu penso foda-se, ninguém presta e isso me alivia um pouco. De qualquer modo eu só estava cuidando do meu próprio rabo.

Entrei num bar e pedi uma ficha de sinuca. Tinha uns caras jogando e eu fiz o velho esquema. Acabei ganhando uns trinta paus. Depois disso eles quiseram parar. Tava bom. Já dava pra comer algo e me manter vivo até a noite. Comi uns sanduíches numa lanchonete porcaria beira de esquina e fui pro fliperama. Enquanto o carrinho corria na pista eu pensava na Paty. As coisas bem que podiam Ter sido diferentes. Depois que eu me formei e fui pro Paraná eu achei que a gente ia ficar junto pra sempre. Não tinha nada pra atrapalhar a gente. Foram uns anos gostosos. Ela saiu da vida que ela levava e a gente tava sustentando numa boa. Sei lá, dava até pra casar um dia. Mas eu vim pro Oregon pra acertar umas contas. E aí a coisa fudeu. Liguei pra ela da cadeia dizendo que não ia voltar por uns anos. Ela voltou a fazer o que ela fazia antes e eu perdi tudo. Sempre que eu ligava ela dizia que não queria falar mais comigo, até o dia que parou de me atender. Eu entendo ela. Mas não tenho culpa de gostar dela ainda. Merda! As coisas podiam ser diferentes.

Fiquei fumando na porta do fliperama quando acabaram as minhas fichas. Fiquei lá até anoitecer. Eu tinha contas pra acertar. Contas pendentes há alguns anos. E que me levariam praquele meio de novo. Aquela parte suja de merda da Broadway. Mas não tinha outro jeito. A vida é assim e não há nada que se possa fazer quanto a isso.

Resolvi descera rua e acabar logo com isso, afinal essa coisa tava engasgada já fazia alguns anos. Muito tempo sozinho, dormindo no mijo e pensando nisso faz a gente ficar com uma ideia fixa na cabeça. E o que eu queria era acertar as contas com aquele safado que tinha batido na minha garota. Com o mesmo safado que me mandou pro xadrez. O mesmo que arruinou a minha vida e a da Paty. Eu devia matar ele, mas a morte é salvação. Eu queria era que ele se danasse. O safado. O Cicatriz.

Até hoje não sei direito o nome dele. Só conheço ele como Cicatriz, o inimigo. Ele cuida de uma casa que fica perto da Jackson Tower. Era pra lá que eu tava indo. De onde eu tava já dava pra ver a torre. O sangue foi esquentando, foi subindo um frio, uma batida mais acelerada do coração. Finalmente eu ia ver ele de novo. Mas eu tava muito eufórico. Tava com um receio estranho. Tava com medo! Mas... medo de que? De encarar ele de novo, de ficar face a face e não saber o que fazer? Eu não sabia, mas tava me sentindo fraco. Parei num boteco e tomei uma água com gás. Me aliviei um pouco. Pensei em levar uma garrafa de long neck e quebrar nele, mas desisti. Queria pegar ele com as mãos limpas. Queria que fosse pra valer.

Fui para o outro lado da rua e sentei na calçada. Tinha bastante movimento e não dava pra ver direito lá dentro. Eu fiquei meio escondido atras de uma cabine telefonica porque se ele me visse antes ia dar problema. O negocio era eu chegar e pegar ele no susto, aquele covarde. Queria que ele visse minha cara antes de tomar porrada. Visse que era eu. Fiquei observando atras da cabina. Eu tinha que ser bem rápido e fazer a coisa antes que os seguranças me segurassem pra ele me bater e depois chamassem a policia, como da ultima vez.

Mas dessa vez eu não ia falhar. Tinha passado um bom tempo planejando tudo. Olhei pra frente da boate. Ele estava lá. Era ele. por um segundo minhas pernas bambearam e eu quase caí no chão. Por um segundo eu fiquei paralisado. Mas eu não podia perder essa chance. Eu vi ele, parado, na porta, engravatado, olhando pras pessoas na rua. Eu sorri. Senti um prazer estranho vendo ele lá parado e meus olhos estavam fixos nos dele. Mas ele não me via.

Saí detrás do orelhão e atravessei a rua um pouco acima do local. Fui andando na mesma calçada que ele e fui chegando perto. Dez metros. Sete metros. Cinco metros. Dois metros:

-ei, Cicatriz...- eu disse quando cheguei perto do animal. Ele me olhou. Ele não se movia. Não esperava me ver de novo. Não depois de tudo o que aconteceu. Por um segundo ele bambeou, por um segundo ele pasmou. Todos os pensamentos passaram por aquela cabeça. Mas ele sabia o que eu estava fazendo lá. Ele sabia que se um dia eu voltasse seria por um único motivo. Pelo mesmo que todos voltam: vingança!

Tum! No meio da cara. Ele bambeou pra trás. Tum! Outro, e outro. Ele caiu. Estava estendido no chão desacordado. Acho que nunca soquei tão forte. Pisei na cabeça dele. Os seguranças saíram das casas. Uma confusão teve inicio, mas eu já estava lá na esquina.

Não consegui dormir de noite de tanta felicidade e adrenalina que corriam no meu sangue. Fiquei zanzando pelo centro e assisti uns filmes pornos pra sossegar. Quando resolveu amanhecer comi uns salgados e tomei um café num bar. Estava feliz com a vida, como se meus problemas tivessem sido resolvidos. Mas eu tinha que voltar pra Livingston e recomeçar a vida. Quem sabe aquela escola me aceitava de novo. Eu costumava ser um bom professor. Quando acabei o café decidi ir na rodoviária e tentar pegar um ônibus. Ia ser difícil porque eu só tinha vinte paus e a passagem era uns oitenta. No caminho passei na casa de apostas pra conferir os números da sena. Talvez tivesse acumulado de novo. Ia ser uma boa. E eu ia jogar de novo. Cheguei lá e vi que o prêmio estava em cem mil. Alguém tinha ganhado aqueles quatro milhões. Conferi os números. Eu sempre jogo nos mesmos. Foi a Paty quem me deu esses números. Não fiz outro jogo. Saí de lá numa boa e liguei pra Paty:

-alo- ela atendeu.

-oi. Sou eu, tudo bem?

-tudo. Onde você tá? – ela perguntou.

-quer casar comigo?- eu perguntei.

-hein? Voce sempre faz essas perguntas fora de hora. Que saco!

-quer ou não?

-sei lá. Quero. Mas você sabe que não dá...

-quer mesmo?- eu perguntei.

-sim, mas...

-então arruma tuas coisas que eu tou indo te buscar.

-como? Você tá louco?

-ganhamos na sena. Estamos milionários.

-q... e... você tá de brincadeira de novo, eu...

-estou indo, você vai ver quando eu chegar. Você sabe, né?

-sei.

É, esse tinha sido um dia ótimo. Eu fui no banco pegar o dinheiro e depois busquei ela em Livingston. Mudamos pro Oregon de vez. Há, a vida realmente melhorou. Fiz outra tatuagem, um coração com asas. Estamos na boa. De vez em quando vamos a um boteco e limpamos a grana da galera na sinuca. É...todo mundo que tem tatuagem não presta.