LEO II - TRAGÉDIA - CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 4 – TRAGÉDIA

Naquela semana, todos os dias, Leo esperou Gilda na saída da escola. Ele não saía do carro nem procurava falar com ela. Apenas sorria e ia embora com o carro quando ela lhe retribuía o sorriso.

Gilda não conseguia entender porque ele fazia aquilo, mas ficava vaidosa pela insistência do rapaz que queria vê-la de qualquer forma, mesmo que não trocassem uma palavra sequer.

Na sexta-feira, Gilda o viu, como de costume, mas, em vez de seguir direto para casa, como sempre, aproximou-se do carro.

- Oi.

- Oi, ele respondeu, feliz da vida, cruzando os braços na janela do carro.

- Por que você está fazendo isso, hein? Por que você me espera todo dia?

- Porque eu quero te ver todo dia.

- Por quê?

- Porque eu te acho linda.

- Só por isso?

- Porque não choveu essa semana...

Gilda riu.

- Porque... ainda tenho grana pra botar gasolina no carro... Porque sou maior de idade... Quer mais motivos?

- Não imaginei que você fosse tão divertido.

- Já fiz de tudo na vida, Gilda, mas nunca fui palhaço de circo, ele disse, rindo.

- Eu não quis dizer isso.

- Não importa... Por que você resolveu vir falar comigo hoje?

Ela pensou por um minuto e resolveu fazer o mesmo jogo dele.

- Porque... não estava passando carro na rua... Porque eu estou de sandália nova... Porque gosto da cor do seu carro...

Ele entendeu o que ela quis fazer e riu a valer, também.

- Você também sabe ser espirituosa.

- Faltou uma coisa...

- O quê?

- Porque eu também te acho uma gracinha.

Essa frase ela falou séria. Ele também parou de rir, mal podendo acreditar no que ouvia.

- Vamos dar uma volta?

- Volta? – ela perguntou, hesitante.

- Não precisa ser de carro, não. Ou melhor... sei lá... Do jeito que você quiser. Só queria conversar com você um pouco longe de todo mundo... A gente podia ir até o parque do lago. Você conhece?

- Conheço, mas não fica muito longe daqui?

- Por isso mesmo. Dá pra ir a pé e fica longe daqui e lá pouca gente conhece a gente.

Gilda respirou fundo, indecisa. Mas olhou em volta, criou coragem e deu a volta no carro. Leo abriu a porta para ela e ela entrou.

Minutos depois estavam a beira do lago num parque do outro lado da cidade. Saíram do carro e andaram em silêncio por alguns minutos, até que Gilda quebrou o silêncio.

- Pra quem queria conversar, você até que não tem muito assunto...

- É que você me pegou de surpresa, ele falou, sorrindo, colocando as mãos nos bolsos da calça.

- Eu peguei você de surpresa? Você fica de plantão a semana inteira no portão do colégio, esperando por mim e vem me dizer que eu te peguei de surpresa? Dava pra ter decorado até o que queria falar!

- É que eu não pensei que você fosse mudar de ideia tão fácil sobre aquela estória do seu pai...

- Estou parecendo fácil demais, não é? – ela perguntou, ficando séria.

- Não! – Leo disse, parando. – Não é isso, de jeito nenhum... Eu sei que você não é assim. Nem te conheço direito, mas... numa cidade pequena, a gente conhece uma moça fácil sem nem saber o nome dela. E... não quero ser prepotente, nem presunçoso, mas... eu conheço bem todas elas por aqui.

Gilda corou e baixou os olhos.

- Desculpe, ele pediu.

- Não mude seu jeito de ser por minha causa, Leo. Soa tão... estranho.

- Você acha que eu não sou capaz de ser delicado com uma garota?

Ela não respondeu. Leo segurou sua mão e a fez olhar para ele.

- Se você acredita nas coisas que seu pai e o meu contam pra você a meu respeito, tudo bem, eu vou aceitar... porque são verdades. Mas, por favor... não pense que eu usaria nenhum desses meus defeitos com você.

Gilda ficou olhando para ele e viu sinceridade em seus olhos.

- Posso te fazer uma pergunta... indiscreta?

Ele sorriu e soltou a mão dela.

- Claro...

- Por que você não se dá bem com seu pai? Quero dizer... Eu já vi ou ouvi falar de desentendimento entre pais e filhos, mas... você e o seo Samuel parecem se odiar tanto que nem parecem pai e filho.

Leo deu as costas para ela e ficou olhando para o lago.

- Ele me odeia... eu só retribuo...

- Por que ele te odeia?

- Não sei, mas não é de hoje. Aliás... eu sei sim... Sou o terceiro filho de quatro. O mais velho morreu há dez anos, num acidente na estrada de ferro. Ele era... o xodó do meu pai. Eu estava com ele quando aconteceu o acidente. Ele tinha quinze anos e eu dez. Eu sempre tive medo de atravessar a linha do trem quando pequeno. Pra mim, mesmo que o trem estivesse longe, eu sempre tinha a impressão de que quando eu estivesse no meio, ele ia passar por cima de mim. O Lucas quis me mostrar que aquilo era besteira. Escolheu uma hora em que o trem passaria e começou a correr de um lado para o outro sobre os trilhos... Eu gritava pra ele parar com aquilo, chorava, mas ele não me ouvia. Me chamava de bobão, covarde... fazia caretas pro trem que vinha se aproximando... Acontece que... na euforia toda, ele acabou tropeçando nos dormentes e torceu o pé, caiu e não conseguia se levantar. Eu fiquei com tanto medo que não consegui correr para ajudá-lo. O trem já estava perto demais e...

Leo não conseguiu terminar. Seu rosto já estava molhado de lágrimas. Gilda aproximou-se dele e colocou a mão em seu ombro.

- Meu pai colocou a culpa em mim...

- Mas você não pôde fazer nada!

- Mas ele não entendeu. Nunca entendeu. Passou a gritar comigo pelas mínimas coisas, quando eu ainda era criança, depois parou de falar comigo e não concordava com nada que eu dissesse ou fizesse, como faz até hoje. Com a Laura e o Lúcio ele é carinhoso, sempre deu a eles tudo o que queriam... A mim ele sempre desprezou, esqueceu... Sempre quis colocar na minha cabeça que eu era um criminoso.

Leo sentou-se na grama e Gilda fez o mesmo. Ele enxugou o rosto e respirou fundo se acalmando. Resolveu mudar de assunto subitamente para sair daquele que o deixara deprimido.

LEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEOLEO

TRAGÉDIA - CAPÍTULO 4

Velucy
Enviado por Velucy em 07/10/2017
Reeditado em 22/10/2018
Código do texto: T6135341
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