Avulso

(Para ler escutando Amor Marginal – Johnny Hooker)

Foi um choque.

Uma coisa indefinida contra uma mais indefinida ainda.

Queria voltar e procurar de alguma forma refazer o curto tempo que tive e, não tive como dizer o que estou tentando dizer agora.

Antes de tudo, eu pensei em te dizer coisas que eu ainda não disse, porque não sei como você vai reagir ou se deseja saber, então eu evitei dizer, por não saber como explicar.

Talvez eu diga agora ou não diga nunca mais, mas tenho medo de eu e você sentirmos falta dessas coisas que nunca foram ditas e, consequentemente nunca foram vividas fora desse plano em que a imaginação nos permite viver.

É que a gente tem medo de saber aquilo que não sabe e acaba não sabendo se tem coragem de viver, mas não é isso que eu queria dizer... não é nada disso.

Não imaginava assim, esse vago. A língua que quase pulou de volta a garganta sem saber o que falar. Eu, que falo freneticamente todo o tempo em que me mantenho acordada, esqueci a ordem das letras, analfabeta de si mesma, sem ter nada pra contar.

Contatos assim: onde você não consegue tocar ou olhar nos olhos não são contatos. E eu precisava te ver, mas não desta forma. No avulso, ao acaso, no justo instante em que minha mente desvinculou-se de um leque de certezas, eu fui jogada à beira do abismo e fiquei apenas com a cara e a coragem. Apenas com a cara.

Tudo o que eu demorei décadas para aprender, voltei a esquecer no momento em que sorri timidamente e mergulhei no verde cintilante daqueles olhos de cobra, abaixo das sobrancelhas escuras. Não foi assim que eu imaginei e nem era isso que eu estava tentando dizer.

Nunca tinha pensado nisso, há coisas nas quais a gente nunca pensou e talvez nunca chegue a pensar eu, por exemplo, nunca havia pensado que tinha algo a mais para dizer a você. E talvez não estivesse tentando dizer se não tivesse certeza que você pensa o mesmo sobre mim. Será que pensa? Na verdade eu não sei, estou tentando me aprofundar e buscar as palavras corretas, mas você balança freneticamente as pernas enquanto fala algo sobre um time qualquer de futebol.

Eu tentei te explicar a diferença fundamental entre o abstrato e o concreto, mas só conseguia te ver encarar o relógio como se contasse o tempo. Senti como se prendesse você.

Eu te daria espaço, te daria o tempo necessário para se escrever uma novela, só para te ver sorrir e voltar matando a saudade com um longo abraço.

Deixa eu te dizer antes que o tempo passe, antes que anoiteça e o jogo acabe, você cresceu dentro de mim. E eu não pude fazer nada. Como quem planta uma semente frágil e só sabe observá-la crescer. O problema é que eu não esperava uma planta assim, eu queria apenas flores e, agora tenho que abrir todas as janelas apenas para observar você espalhar suas raízes.

Bianca Moraes
Enviado por Bianca Moraes em 25/06/2017
Código do texto: T6036921
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