A Bíblia do Zé e a Bíblia do Tião

José e Sebastião são dois bons amigos, e ambos frequentam a mesma denominação teológica onde inclusive se conheceram há tempos atrás. Carinhosamente eles se chamam pelos apelidos, uma síncope dos seus nomes, como é o costume brasileiro. Mas, havia uma diferença marcante entre os dois. José frequentava assiduamente os cultos e solenidades, e dificilmente perdia uma só reunião da irmandade. Sebastião, por sua vez, após um bom tempo, passou a aparecer esporadicamente a esses eventos, o que foi desenvolvendo uma curiosidade no José, que nesta última reunião, resolveu saber o que se passava com o Sebastião, que nos velhos tempos era tão assíduo às reuniões. Assim, após o término do culto, José convidou Sebastião para comer um lanche na padaria mais próxima, e lá se alojaram os dois numa mesa. E veio o diálogo.

José – Tião, não se aborreça comigo, mas ando curioso para saber, porque você quase não aparece mais nos nossos cultos como fazia antigamente. Sinto falta da sua presença e das boas trocas de ideias que fazíamos, especialmente sobre o ensino bíblico. Para ser franco, aprendi muito com você, acho que mais do que com o nosso Pregador.

Sebastião – Muito obrigado Zé. Também sinto falta da sua companhia, mas a nossa viagem espiritual segue uma trajetória individual, mesmo entre todos os irmãos. Nesse percurso, mesmo estando juntos, lendo a mesma Bíblia e ouvindo as mesmas pregações, as percepções são absolutamente individuais, e acredite se quiser essas percepções não podem ser transferidas entre as pessoas, pela vontade humana. A transferência só é possível, no que se restringe ao sentido literal do que está escrito na Bíblia, que é facilmente perceptível pela racionalidade, o que não ocorre com o sentido subjacente a essa literalidade, que somente se transmite de espírito para espírito. (I Cor. 2:12 a 16)

José – Tudo bem Tião! Eu compreendo o que você disse, mas o que isso tem a ver com a sua ausência nos nossos cultos?

Sebastião – Geralmente, os Pregadores das denominações teológicas estão vinculados apenas à Primeira Aliança, que é o Ministério de Moisés. Esse Ministério, cujo fundamento é o Decálogo de Moisés, ou os Dez Mandamentos, está totalmente inserido no sentido literal da Bíblia, sendo possível compreendê-lo facilmente apenas pela Razão. O Apóstolo Paulo chama esse Ministério, para surpresa de muitos, como o Ministério da Morte, pois as Leis devem se transferir das tábuas de pedra, para o nosso coração. Enquanto essa transferência não acontece, suportamos ouvir repetitivamente as mesmas pregações, incluindo as fábulas e genealogias sem fim. Mas, a partir do momento em que eclode essa transferência, que significa também e principalmente, a transferência da Primeira Aliança para a Segunda Aliança, ou de Moisés para Cristo, passa a não ser mais suportável continuar ouvindo as repetitivas pregações da racionalidade, mesmo porque para elas não há necessidade de intérpretes. A partir dessa eclosão, compete àquele que a obteve como uma concessão, encontrar uma maneira de colocar as novas experiências espirituais à disposição dos seus semelhantes, o mais amplamente possível.

José – Agora compreendi melhor Tião. Mas por que não distribuir essas experiências através da nossa denominação?

Sebastião – Essas experiências são aquilo que o Apóstolo Paulo chama de “alimento sólido”, e ele não seria suportável pelas "crianças espirituais", frequentadoras assíduas das denominações teológicas, cujo alimento é o “leite espiritual”: os Dez Mandamentos e as fábulas e genealogias, ou histórias bíblicas.

José – Tião, então eu sou uma criança espiritual?

Sebastião – Sim meu amigo e irmão, você é uma criança espiritual. Se assim não fosse, você estaria fazendo exatamente o que eu fiz. Mas não se preocupe, continue fazendo o que faz, pois a passagem da Primeira Aliança para a Segunda Aliança, ou seja, da Lei para a Graça, ou ainda de Moisés para Jesus Cristo, não depende de você e nem de ninguém. É uma concessão, que a qualquer momento pode eclodir na sua consciência, como um estalo, que nada mais é, senão o “novo nascimento” de que tanto fala o seu Pregador, muito embora sem saber exatamente do que se trata.

José – Bem, de fato, nunca ouvi na denominação, uma definição clara e específica, sobre o que é realmente o “novo nascimento”. Você pode defini-lo Tião?

Sebastião – Para que se tenha uma ideia da importância do “novo nascimento”, sem ele ninguém poderá ver, ou entrar, no reino de Deus. Observe a sua definição.

Em certo momento da evolução, no que nos diz respeito, como efeito da Segunda Aliança, passa a ocorrer, progressivamente, a impressão das leis mosaicas na mente e no coração dos homens, concedendo-lhes o discernimento espiritual mais profundo, como característica específica do novo nascimento, pois o homem, antes de nascer de novo, está morto espiritualmente. Mas quando a Promessa “... na mente lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei...” é cumprida, ocorre, simultaneamente, o renascimento de Cristo e o novo nascimento do homem (Efésios 2:5,6), que então passa a viver no Espírito de Deus. O cumprimento da Promessa é a concretização da Nova Aliança, quando então Cristo ressuscita dentre os mortos, nos quais Ele também estava morto. Esse discernimento espiritual é muito mais amplo do que as leis.

Portanto, a maior e a mais importante de todas as bênçãos para o Ser Humano é o novo nascimento, quando ele é transferido do Ministério de Moisés, da Lei, para o Ministério de Cristo, da Graça. Quando isso acontece, uma profunda mudança passa a se desenvolver no agraciado Cristão, conforme os dons espirituais que lhe forem conferidos. O novo nascimento é o “passaporte” para a entrada na “Terra Prometida”, onde a Lei não entra, assim como Moisés, o simbolismo da Lei, também não entrou.

João 3:3,5 – Jesus respondeu, e disse-lhe: na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Na verdade, na verdade te digo, que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus.

José – Mas Tião, diga-me uma coisa; todos os nossos Pregadores são crianças espirituais?

Sebastião – Não Zé, claro que não. Mas, geralmente o “renascimento” transporta o renascido para uma nova realidade, muito diferente daquela a que se acostumou, às vezes por muitos anos, levando-o a seguir outro caminho, o caminho solo, onde ele assume a condição de “Semeador” para um rebanho aleatório, mais amplo, sem nenhuma submissão a tradições, regras, dogmas, solenidades, simbolismos, imagens e rituais, que são apenas procedimentos humanos, sem nenhuma importância. Além disso, ocorre uma profunda mudança na sua comunicação, que é gratuita e mais acessível somente a expressivas minorias, o que se torna desinteressante para as denominações teológicas.

José – Tudo bem Tião, mas não vejo como “semear” para muita gente, sem uma grande rede de distribuição, como são as denominações teológicas, que contam com inúmeros templos luxuosos para as suas constantes reuniões.

Sebastião – Você está se esquecendo da informática Zé, querido amigo e irmão. Hoje temos à nossa disposição, através desse meio de comunicação, vários canais que possibilitam o contato entre as pessoas de todas as regiões do Planeta, facultando o mais intenso intercâmbio de experiências de quaisquer naturezas. Entre esses canais está o Recanto das Letras, onde todos podem incrementar, livremente, sem discriminações, a divulgação dos seus conhecimentos e a apreciação dos conhecimentos dos colegas. Isso, inclusive, dispensa as contribuições dos irmãos e os templos luxuosos ou mais simples.

José – Tudo bem Tião, mas o contato pessoal também não é importante? Especialmente para dirimir eventuais dúvidas, ou mesmo para ampliar as amizades?

Sebastião – Nesses aspectos você tem razão Zé, mas nada impede que os eventuais interessados nesses detalhes, se organizem entre si e se comuniquem com o “Semeador”, para a organização de eventos onde possam se reunir e trocar ideias pessoalmente, para um recíproco abastecimento espiritual.

José – E os irmãos que frequentam as denominações, como ficam uma vez que o seu orientador religioso se foi?

Sebastião – Após o “novo nascimento”, dependendo dos dons que forem alcançados pelo “Semeador”, de nada adiantaria que ele permanecesse na denominação, pois a sua nova linguagem seria inacessível aos seus irmãos, já que a “criança espiritual” não pode compreender o “adulto espiritual”, ou de outra forma, o “alimento sólido” é inadequado para a alimentação infantil que se restringe ao “leite”. Lembre-se meu querido Zé, que o próprio Cristo se expressava por meio de parábolas, para que somente os seus discípulos e seguidores pudessem compreendê-lo. Estude as epístolas do Apóstolo Paulo e você entenderá melhor este assunto. Entre outros, veja (I Coríntios 2:1 a 16). Por outro lado, nas denominações teológicas, surgem com muita abundância, novos Pregadores, formados em suas próprias escolas, que suprirão as eventuais vacâncias, para o prosseguimento do Ministério de Moisés.

José – Muito bom Tião, valeu o nosso bate papo. Espero vê-lo novamente por aqui dentro em breve, para continuarmos trocando ideias sobre nossas experiências. Muito obrigado pela sua paciência para comigo.

Sebastião – Ora, ora Zé! Eu é que agradeço pela sua paciência em me ouvir. Espero que nossa conversa tenha alguma utilidade espiritual para você. Sei que você costuma ir fundo nos seus estudos bíblicos, e presumo que a sua “eclosão” ocorrerá dentro em breve para nos encontrarmos em novas circunstâncias. Conforme seja essa “eclosão” e conforme os dons que lhe forem concedidos, poderei ser o seu discípulo. Em situação bem mais complexa, o Apóstolo Paulo, de um severo perseguidor de Cristãos, num instante, transformou-se no mais fecundo dos Mestres do Novo Testamento. Até breve meu irmão, e que Deus nos abençoe e nos ilumine na nossa jornada.

E lá se foram os dois amigos e irmãos, cada um na sua caminhada, em busca da melhor satisfação dos seus anseios, mediante a aquisição e transferência de conhecimentos e experiências, que enriquecem os espíritos e esclarecem o sentido da própria vida. Neste caso específico, Sebastião transferindo o que recebeu e José buscando o que deseja receber. Ambos imbuídos dos melhores propósitos. Portanto, sucesso aos dois.

Edgar Alexandroni
Enviado por Edgar Alexandroni em 17/08/2017
Código do texto: T6086409
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