Sangria
sangue
veias vasos artérias
coração batendo forte
peito estômago garganta
passeando pelas minhas misérias
fogos de artifícios
caminhos artificiais
rios
estradas infinitas
vento sem direção
pelo meu corpo
sangria
mergulho
olhos de cachorro abandonado
velas ao mar
banzeiro
homem das cavernas eletrônico
amor e raio laser
urros palavras arrancadas
cesariana
diz que me ama
e só
sem mando
sem ordens
cobras
cordas
uma fêmea um macho
apenas
um homem uma mulher
dois corações grandes
simplesmente
livres
sem capataz sem posseiros
dois corpos duas almas
lábios pêlos carne calor prazer
alumbramento
o coração um piano
as veias cordas
melodia singular
mamãe eu quero mamar
ainda
um cão latindo
uivando para o coração
coração uivando
para o mundo
criando calos nos pés
pelos caminhos
do ser humano
voz rouca
de dor alegria e tesão
pão de cada dia
lista telefônica de emoções
balas e canções
arranhando o céu
partidos
assombrados
desesperados
buscando tudo
ou nada
vampiros sugando almas
e corpos
mandando mentiras
em linhas cruzadas
cruzando cinco mil quilômetros
de silêncio destruidor
cortem os fios
quebrem telégrafos
correios
cipós
simplesmente só
e cara a cara
sair por aí
como quem sai da cadeia
coração iceberg
estupidamente
medo
pânico
aprofundar as raízes
até o centro da terra
desespero
um dois três quatro cinco mil
a locomotiva da história
atropelando sonhos
criando sonhos
aventura
aventurar a vida
temperando a vida
acalantar os sonhos
desamarrar
regar a grande árvore
com sangue
fluir
água escorrendo pelo corpo
luar luanda lua nova
lua luanda luar do sertão
yo me voy para cuandocubango
lá não tem rei
e o povo é quem manda
mando
mando nada
nunca mais
ousar o impossível
sempre
igarapés
alucinação
torrentes
sementes ao vento
tempo de plantar
cacos copos crimes crises
campos
campos de concentração
campesino
campos de pouso
cardumes de esperança
dentes dores destino
dúvidas
movimentos
montanhas
everest sim
mexe remexe
dá um nó nas cadeiras
vida boa estradeira
mundo velho sem porteiros
pentelho
espantalho
conselho
se fosse bom
ninguém dava
cachoeira
cachaça
cabeça rodando
policromia infinita
big bang
todo dia
fogo
flechas
ondas
golpes
olhos de ver o amanhã
nascer
livre livros liverpool
libertad
flores borboletas
pólen germinando o verão
pantanal matogrossense
pororoca nos rios da emoção sobrevivente
madrugadainda
no poço profundo
da insônia
olhos arregalados na amazônia
bêbada de água ardente
e contrabando
rugas cravadas no chão
da minha cara
alucinada
fumaça ardendo nos olhos
do pulmão do mundo
ardendo nas pupilas
dilatadas
multinacionais
nascendo no canto dos olhos
desaguando no leito seco do rio
verde de raiva
amarelo de fome
sol
soletrando
solimões salinas salidas
solidão
rasgando as teias do passado
passa boi passa boiada
tecendo o futuro
com dentes
de quem tem fome
no presente
chega de alimentar vampiros
quero devorar o mundo
sem medo
transbordante a mente flutua
coração clandestino
o rumo norte chegou maninho
e agora...
tateando
balbuciando
engatinhando
começo mamando
as primeiras gotas da vida
risos suor
dentes distantes da boca
cheia de palavras
perdidas no tempo
nas pálpebras
de um copo lacrimejante
lixo
proletários do mundo
moídos
triturados
proletários imundos
punidos
carcaça na caçamba
cachaça
faminta de pão
quero botar a boca no mundo
do povo
quero botar o mundo na boca
do povo
brotando um mundo novo
na boca do povo
américa central
latina
latrina do mundo
dos senhores
caldeira fervendo
bala do dia a dia
nós
na garganta profunda
das misérias
caminhos solitários
buscando o desconhecido
ou nada disso
debaixo de coturnos
viver a vida
é entrar no fogo
para se queimar
quem entra na chuva...
e cadeia não foi feita pra cachorro
como diz minha mãe
vômito bombardeio fome cancro lepra
membros extirpados
explodindo a vida
explodindo bombas
de gás na multidão
mentiras
crivos de balas
no ar
puro poluído
de cabeças trituradas
longa noite interminável
bois marcados a ferro
e fogo
meninos marcados
esquartejados
partidos em mil
mil e um cacos de gente
úlceras vísceras
podres
padres pedras prisões
rancor
arrancar as cores
da manhã distante
agora
porres putas porretes
submundinho imundo esse
das nossas cabeças
pequenas
pequenas criaturas
brasil brasas a queimar
braguilhas abertas
currando nos currais
novilhas adolescentes
carne em brasa
arame farpado
planalto
altos planos
altiplanos
derramando dor
e prantos
as putas no poder
antes que os filhos tomem conta
de vez
soldadinhos de chumbo
direita volver
cacete no meu povo
que o patrão mandou
manda massacrar
massa humana e crateras
no vazio da vazante
a enchente um dia
nas veias da multidão
carapanãs
caras famintas
fantasias caras
e vãs
nos dão hoje o suor de cada dia
calos nas mãos
fornalhas
homens canalhas
cozinhando
operários em decomposição
operários do destino
composição e locomotiva
movimentando o amanhã
esmurrar os muros
derrubar
um pé no vento
um pé no chão
pulmões livres
recriar buscar o desconhecido
o inesperado
sem receio
todos os poros abertos
beber o destino de viver
devorador
devorar a dor
rabo-de-arraia-desejo-revolução
escancarar o silêncio
as cercas
abrir o peito
cortar as amarras
desobedecer
a vida como guerrilha
a voz como navalha
o corpo como fuzil
tanto faz
o que faz é a vida