Olhei o avesso do verso e me enxerguei

A literatura existi para explicar a realidade,

mentira para aliviar as duras verdades.

Arregimentei-me em suas belas páginas, em um tempo em que meus olhos não ultrapassavam a distância de um quintal cercado: eu encouraçado com as minhas mãos a me incitar a minha própria extinção. Eu me apontava o dedo: culpado.

Ao meu redor eu via pessoas iguais a mim: devoradores de superfície desprezíveis. Não liam o jornal. Nunca lemos jornal algum ou conversamos entre nós sobre nossas culpas.

E a culpa doía, porque a televisão que eu assistia doze horas incessantes declarava que a felicidade era vendida em frasquinhos, eu tinha vergonha: mesas fartas, famílias felicíssimas, tudo ao alcance do dinheiro, mas eu não sabia fazer o dinheiro virar essas coisas, esses prazeres.

E o ódio aumentava pingando seu ácido sulfúrico contra mim. A fome chegava como vertigem.

Eu me explicava no contraste entre as palavras e o vazio. Entre a sociologia alinhavada com a pele crua de meus versos. Eu tomava consciência. Me d e s a l i e n a v a...

Mundo de contrastes: O concreto e o abstrato – O mendigo e o empresário, arranha-céus

e castelos ao lado de casas de papel: carrapatos e baratas entre gentes formando cidades. Entre a ilusão e a crueldade arregimentei-me na poesia.

E digo isso querendo dar mesmo o sentido de exército. Palavras nulas que se investem contra a insensível desumanidade, como uma infantaria a furar a superfície do inimigo e seguir seu rumo até encontrar seu coração negro e modificá-lo.

Essa é a força das histórias de ficção, tem o poder de dizer ao homem que ele está vivo.

Assim nasceram grandes revoluções.

Sérgio Caldeira
Enviado por Sérgio Caldeira em 22/12/2010
Código do texto: T2685229
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