Dê uma rosa para Adelaide

João fora um homem cruelíssimo.

É João, chegou a hora do acerto,

de rever as dúvidas, de pagar, ponderar e aceitar.

Perguntar, pôr na mesa: o livro se abre.

A palavra verdadeira inverte a cronologia da história.

Reconta o que até aí foi você. Decide.

Você espera recurvado.

Suspirando profundo sobre a imagem do recontar.

O que foi você, João?

Você quis ser o quê?

Foi instrumento cortante de metal frio.

Foi medo.

Foi ponta de agulha.

Agora não dá mais para se arrepender.

Deite na cama de operação!

Ainda aquela que tinhas escravas - Tivestes poder de ditadura João -

veio ao vidro te ver.

Você não sabe João, mas quando dormias, por muitas vezes recebera a sentença de morte: tivestes no teu coração frio a iminência da ponta que em fim seus gritos calassem.

Por sorte, ela fora melhor que ti, condenada pelo pecado da inércia.

Agora é sua vez João.

Cadê aquele João: que já fora homem de mandos e desmandos?

Coronel e galões (de pinga João)

É mesmo João não podes mais beber aqui.

Haveriam muitos que a isso iriam comemorar.

Nenhum gole! Teu caso está mal.

Câncer diagnosticou a medicina.

Nenhum médico desse mundo pode lhe dar salvo conduto pela morte João.

Também, tu bem sabes, nunca fora homem de invocar milagres.

Vai João.

A hora é exata, não temos arbítrio para controlar ou adiar.

E quando a anestesia fizer efeito estarás melhor.

Você João que parecia de ferro!

Quando fechares os olhos

ouvir-se-á atrás do vidro uma gargalhada que nos estremecerá de medo,

espiralando pelas paredes do hospital: onde eu me resignarei com Cristo,

revendo meus propósitos de ser humano.

E, João, quando eu lhe vir novamente, em vez de um soco lhe darei um beijo!

João não relute, só se arrepende quando se está vivo.

Agora é hora. Vá João... que já te chamam.

João foi meu pai.

* Esse poema não é autobiográfico.

Sérgio Caldeira
Enviado por Sérgio Caldeira em 23/12/2010
Reeditado em 13/05/2011
Código do texto: T2687147
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