manual de atuação de palco - para atores e não-atores

que todas as coisas grandes sejam

deveras grandes:

exacerbadamente

miúdas.

sutis.

para a pessoa

não há ilusões de si.

apenas gestualidades, - inatas.

circunstâncias.

ignorâncias convictas e

débeis

convicções.

não forces que o homem e

nem que a mulher

sejam mais do que são. apenas sê. tanto ou tão pouco quão.

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a tortura, por mais que provoque o sangue,

não sangra. transparece.

reluz.

quase indelével.

no entanto,

o céu não enxerga, nem

o púlpito,

nem o público

tbm.

é tudo como se sumisse por trás da cortina escura,

aberta,

por detrás do palco.

por dentro de ti.

( não forces que se abra ela anterior ao exato tempo.

às 17h30 ou às 9h20.

o relógio é um aspecto inexato,

mas o tempo certo

não;

ele acerta-se

medido. )

~~~

não faças rasuras, borrões,

nem transliterações

que não

se exijam.

a realidade é crua. é pouca.

exige desesperança

e simplicidade.

não exijas de ti, ainda, o que não podes

nem do outro o que tu saibas.

tem apenas o domínio,

- não de ti.

apenas o domínio,

o chão,

o palco,

o

voo,

o éden e o hades

para além da minha e da tua

compensação.

~~~

não queiras mais do que devas querer

mas tbm não deixes de sonhar além,

preso à atmosfera

única

de quem tu

és

de agora em diante

e a jamais.

sê curto e mesquinho,

mas humano.

mas doente.

liberto.

~~~

ninguém fala de trás para frente,

não fales tbm.

ninguém ainda pousa, na vida, para fotografias

flagrantes, não pouses ainda tu.

ninguém ouve a música senão por ouvi-la. ninguém

crê-la entendida. a música é que atra-

vessa,

lança,

ela mais mata

do que fala.

cala-te.

~~~

se puderes quebrar o joelho, deveras,

quebra. mais vale acabar a peça

que não sacrificar,

- mesmo as tuas partes íntimas, aquelas que temes expô-las.

mesmo as tuas nádegas e o interior de teus dentes,

todo o teu nojo. dá a quem olha o

prazer

de doer,

imaturamente.

~~~

quem sabe tudo despenque.

não é notório que as hastes derribem-se ao

sopro feroz.

abandona tudo.

prostra-te ao chão

e determina o que é teu: o espaço. o teu espaço.

~~~

não chores quando não tenhas lágrima.

é perigoso. te intimida! embora,

não vivas

senão a vida em ti.

ela tbm sabe reagir exatamente ao chamamento,

e não o deduzas tu.

é tão triste fadar as coisas a molduras.

elas nem sempre complementam

a tinta.

às vezes as coisas são aéreas

e serenas.

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se te perguntas, com que cabeça o fazes?,

com que imbecilidades?,

as tuas

ou as em ti?

agoraemdiante é todo o processo:

não te suicides, por favor!

amanhã te serás novamente, - ou ainda um outro:

ninguém se conhece deveras, nem ao outro.

quem dera eu pudesse te contar!

~~~

as expressões demais absurdas, nem toda a maquilagem do mundo,

essas coisas são tão indiferentes diante

da poesia

instantânea

das

forças!

não te faças. sê!

~~~

olha marília pêra.

binoches. montenegros. olha

desconhecidos,

mas olha bem retamente aos olhos

e pro palco. pros pés,

pras pernas

e pros vocais. o que é mais que isso é só o mais.

vive no mais, não lhe faças

o teu todo nem

teu eu.

não vale a pena.

o ouro não vende a sinceridade.

tudo o que brilha

é pó,

a não ser o que é plasma,

o que é estrela.

~~~

por favor, não creias em palavras mortais,

nem os maiores e medíocres elogios.

tem fé

ou melhor, perde tua fé,

a não ser que tua fé seja a mesma de quem tu te sejas lá.

as pessoas sorriem por quaisquer banalidades

e a maioria delas é conveniente demais

para entender-te a

insalubridade.

deixa-as crer apenas, não te sintas

obrigado

a te explicar.

~~~

e se tudo isso não funcionar.

dorme,

é bem melhor

a ti fazê-lo.

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por sobre a amarga distância, pois então,

aproxima-te.

morre somente quando é necessário morrer.

antes disso, tudo é vivo,

vibra.

se o coração não aguentar, estoura!

explode!

teus fragmentos levarão à

morte

muitos.

até mesmo os incrédulos. até mesmo os invisíveis

luzirão!

~~~

da carne, tu tens todo o teu mérito.

tu'alma tbm é pó, - ali,

não penses tua moral além

da realidade diária

da vida

e da morte.

e por isso: faze a "chapinha", usa

as tuas lentes multicoloridas;

mas não tenhas nada com elas, nenhuma intimidade.

tem nas mãos o mundo e não

a preocupação de o não teres. é tão medíocre não te aceitares

tanto quanto a morte

que virá um dia te embalar. sê sábio

diante das coisas.

~~~

nenhuma leitura é pouca, nem do mundo, nem dos livros.

não é necessário entenderes, mas ver.

aprender.

qualquer coisa

pela observação e conservação

da história.

~~~

e quando um momento não tiveres nada,

nem a ti mesmo dentro de ti,

- e por isso sofrerás -,

e quando um momento te saberes:

é teu o domínio.

tu estarás.

e ninguém, ninguém no mundo

te poderá

jamais

derrubar.