Recolta de Estrelas 
                               
(1 out. 1895) 
                    A Tibúrcio de Freitas 
      

    Filho meu, de nome escrito
     Da minh’alma no Infinito.       
 
     Escrito a estrelas e sangue
     No farol da lua langue...       
 
     Das tuas asas serenas
     Faz manto para estas penes.
      
     Dá-me a esmola de um carinho
     Como a luz de um claro vinho.       
 
     Com tua mão pequenina
     Caminhos em flor me ensina.       
 
     Com teu riso fresco e suave
     Oh! Dá-me do encanto a chave.       
 
     Do teu florão de Inocência
     Dá-me as roses da Clemência.       
 
     Como outro Jesus bambino,
     Esclarece-me o Destino.       
 
     Traz luz ao mundano pego
     Onde sigo, mudo e cego...       
 
     Com teus enleios e graça
     Nos meus cuidados perpassa.       
 
     Este peito acende, inflama
     Na mais sacrossanta chama.       
 
     Faz brotar nevados lírios
     Das cruzes dos meus martírios.       
 
     Dá-me um sol de estranho brilho,
     Flor das lágrimas, meu filho.       
 
     Rebento triste, orvalhado       
 
     Com tanto pranto chorado.       
 
     Filho das ânsias, das ânsias,
     Das misteriosas fragrâncias,
      
     Filho de aromas secretos
     E de desejos inquietos.       
 
     De suspiros anelantes
     E impaciências clamantes.       
 
     Filho meu, tesouro mago
     De todo esse afeto vago...       
 
     Filho meu, torre mais alta
     De onde o meu amor se exalta.      
 
     Ânfora azul, de onde o incenso
     dos sonhos se eleva denso.       
 
     Constelação flamejada
     De toda esta vida ansiada.       
 
     Crisol onde lento, lento
     Purifico o Sentimento.       
 
     Íris curioso onde giro
     E alucinado deliro.       
 
     Signo dos signos extremos
     Destes tormentos supremos.       
 
     Orbita de astros onde pairo
     E em febre de luz desvairo.        
 
     Vertigem, vertigem viva
     Da paixão mais convulsiva.       
 
     Traz-me unção, traz-me concórdia
     E paz e misericórdia.       
 
     Do teu sorriso a frescura
     Rios de ouro abra, na Altura.       
 
     Abra, acenda labaredas,
     Iluminando-me as quedas.       
 
     Flor noturna da luxúria
     Brotada de haste purpúrea.       
 
     Dos teus olhos dadivosos
     Escorram óleos preciosos...       
 
     Óleos cândidos, dos mundos
     Maravilhosos, profundos.       
 
     Óleos virgens se derramem
     E o meu viver embalsamem.       
 
     Embalsamem de eloqüentes,
     Celestes dons prefulgentes.       
 
     Para que eu possa com calma
     Erguer os castelos da alma.       
 
     Para que eu durma tranqüilo
     Lá no sepulcral Sigilo.       
 
     Ó meu Filho, ó meu eleito
     Deslumbramento perfeito.       
 
     Traz novo esplendor ao facho
     Com que altos Mistérios acho       
 
     Meu Filho, frágil e terno,
     Socorre-me do atro Inferno.        
 
     Onde vibram gládios duros
     Por ergástulos escuros.       
 
     E cruzam flamíneas, fortes,
     Negras vidas, negras mortes.       
 
     Onde tecem Satanases
     Sete círculos vorazes... 

                        (de “Faróis”)
 

Créditos:
www.biblio.com.br/

www.bibvirt.futuro.usp.br   

www.dominiopublico.gov.br


João da Cruz e Sousa (Brasil)
Enviado por Helena Carolina de Souza em 27/11/2011
Código do texto: T3359879