Confissões ao Relógio II

Olho-vos, ponteiros grandes e precisos.

Não são garras a contar o tempo, mas poderiam ser.

Bizarro, inaudível e presente, tilintar.

Olho os ponteiros de um tempo que corre e não passa.

Olho sepulturas e sepulturas de verdades

em cada par de olhos, arregalados e cegos atravessando a rua.

Olho-vos, ponteiros grandes de um relógio que ora zomba, ora chora.

Conta-nos os dias, as horas de agonia, os minutos de prazer... Os anos de marcha.

Empurramos a vida com a barriga. E vida nos empurra.

Move-se tão friamente que no começo até parece lento. Depois, e no fundo, cruel.

Eu passo e tu ficas. Outro de mim, e mil outros ficarão.

A história fica - teu lembrete e tua faca mais fiel.

E tu corres tanto e ainda assim... ficas. Tempo de angústia.

Eu e tu, ponteiro, esperando dias melhores

ouvimos este miserável som de tic-tac

nos lembrando a cada segundo

que nossas vidas nunca foram livres.

Olho-vos, ponteiros grandes e precisos.

"- Nossa face, Drummond, está perdida em tantas outras.

Espelhos de nós mesmos.

Olhamo-nos e não nos vemos."

Ignis
Enviado por Ignis em 17/04/2014
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