Quem dera, José...
Quem dera, José,
tivesse o sujeito
um coração de pedra,
a sua marcha não o arrebatasse,
não se apegasse a nada
e nem o contagiasse o amor...
Quem dera, José,
ardesse o mundo em chamas
– de amores, dores e sofrimentos –
e ele não se envolvesse...
Assim, não lhe restariam partículas
e nem o espectro de tudo que se criou.
Quem dera, José...
Quem dera, você,
aí em silêncio,
pudesse rimar, protestar,
enfrentar e zombar
dos outros e de tudo...
E tudo seria para o sujeito
menor que uma fagulha,
uma faísca de pedra contra pedra,
um breve crepitar,
um microlampejo,
e mais nada.
Mesmo que fosse
um incêndio na Amazônia,
uma explosão nuclear,
um homem-bomba...
Não lhe tirariam o sono
as estampas dos jornais:
o preço do petróleo,
a seca no nordeste,
os crimes dos políticos,
uma chacina de mendigos...
Seria o sujeito – sem mais –
indiferente a qualquer atrocidade.
Caminharia tranquilo,
sem ter aonde ir
– sozinho e tranquilo.
Assim permaneceria
mesmo que nunca chegasse
a nenhum destino...
Portanto, você,
você que se importa,
não se importe, esqueça,
descanse as retinas,
feche os olhos e petrifique-se
– seja intacto, portanto.
Cavalo para fuga já não tem mais.
Dispense também o terno de vidro,
o amor que nunca foi seu...
Permaneça no caminho...
Seja a pedra, José!
José, seja a pedra!
Inspirado em "José" e "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade.