Quem dera, José...

Quem dera, José,

tivesse o sujeito

um coração de pedra,

a sua marcha não o arrebatasse,

não se apegasse a nada

e nem o contagiasse o amor...

Quem dera, José,

ardesse o mundo em chamas

– de amores, dores e sofrimentos –

e ele não se envolvesse...

Assim, não lhe restariam partículas

e nem o espectro de tudo que se criou.

Quem dera, José...

Quem dera, você,

aí em silêncio,

pudesse rimar, protestar,

enfrentar e zombar

dos outros e de tudo...

E tudo seria para o sujeito

menor que uma fagulha,

uma faísca de pedra contra pedra,

um breve crepitar,

um microlampejo,

e mais nada.

Mesmo que fosse

um incêndio na Amazônia,

uma explosão nuclear,

um homem-bomba...

Não lhe tirariam o sono

as estampas dos jornais:

o preço do petróleo,

a seca no nordeste,

os crimes dos políticos,

uma chacina de mendigos...

Seria o sujeito – sem mais –

indiferente a qualquer atrocidade.

Caminharia tranquilo,

sem ter aonde ir

– sozinho e tranquilo.

Assim permaneceria

mesmo que nunca chegasse

a nenhum destino...

Portanto, você,

você que se importa,

não se importe, esqueça,

descanse as retinas,

feche os olhos e petrifique-se

– seja intacto, portanto.

Cavalo para fuga já não tem mais.

Dispense também o terno de vidro,

o amor que nunca foi seu...

Permaneça no caminho...

Seja a pedra, José!

José, seja a pedra!

Inspirado em "José" e "No meio do caminho" de Carlos Drummond de Andrade.

Natanael Otávio
Enviado por Natanael Otávio em 16/04/2015
Reeditado em 16/12/2015
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