Vidas
Fui amigo de reis,
Deitei-me com rainha...
São João eu batizei
Com uma água fresquinha.
Lá no solo portenho,
Dancei tango e milonga;
Mostrando o desempenho,
Esbanjei a maromba.
Jejuei na Terra Santa,
Fiz fogaréu em Roma,
Fui prefeito em Atlanta,
Ceguei-me de glaucoma.
Fugi da guilhotina...
Escapei da Bastilha,
Vestindo uma batina.
Com Napoleão fui pra ilha...
Procurei com afinco
Fazer tudo bem feito.
Em Assis, de Francisco
Fui amigo do peito.
Fui aluno de Sócrates,
Colega de Platão.
Jurando ser Hipócrates,
Fui Judas na prisão.
Libertei os escravos,
Fui moicano e apache.
Convivi com eslavos,
Pintei com tinta guache.
Andejei aqui e ali...
Fui samurai no Oriente.
Em Curitiba, eu vi
A tal Guerra do Pente.
Tive Gripe Espanhola,
Levei a cruz de Cristo.
E também dei esmola,
Por isso fui benquisto.
Fui um bom cavalheiro,
Coroinha de Anchieta...
De Churchill, conselheiro.
Só não fui picareta.
Para encerrar a pauta,
Como quem tudo quer,
Agora só me falta
O amor de uma mulher.
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N. do A. – Na ilustração, Dançarinos de Fernando Botero (Colômbia, 1932).