Quando li seu olhar.
Gelei por dentro.
Vi a enorme geleira de seus olhos
azuis, serenos e de ardósia.
Profundos.

A pedra que se erigia
a minha frente
soberana e sólida.
Cenho fechado...
Boca entremordida
palavras cortadas por silêncio
de aço inox.

O diálogo havia sido
abortado pela reverência,
pela brutalidade ignóbil,
de gestos de cavalariço.

O arreio suportava o peso
do cavaleiro...
separava o pobre cavalo do
tão nobre cavalheiro.
Separava o servo e o senhor.

O couro que abrigava corpo.
Era o divisor social.

Fostes meu par de dança 
Giravas atônito no salão
as rimas melódicas 
de sua insatisfação.

Seu ódio discreto
destoava do perfume cítrico
e irritante.

Quem me dera fosse um estandarte!
A impunhar semântica
como quem faz arte, 
constrói e destrói esculturas
por instinto dos ventos, da primavera ou 
aleivosias.


Quando li em seu olhar
a última linha torta
mas em significados retos.
verticais e ponteagudos
a perfurar minha alma
a procura de culpa.
Eu não me sentia culpada.

Havia até um leve
sorriso de Mona Lisa
pois no fundo,
já havia lido o dejà vu


Quando sussuraste aquele
amor todo inintelígvel durante 
a canção melosa...

Baixei a cabeça 
em rigor mortis...

Quis escorrer-me pelo ralo
da consciência adentro.
Escapar do momento
como uma brisa da manhã
que subitamente encontra
o orvalho.

Em seus lindos olhos azuis
Vi um céu
sem núvens
E a mensagem desesperada de quem
precisa urgentemente
ser amado.

Ser amado não pode ser prioridade.
Deve ser acidente.

Confessei-lhe que muitos são amados,
silenciosamente amados.
Outros, ruidosamente amados.
Outros não possuem amor-próprio.
Outros não possuem capacidade de amar.

E no deserto das paixões
buscam os oásis imaginários.
Muitos amam a ideia do amor.

Não é como o vento
que nasce pleno na natureza.
O amor se constrói diariamente.
Em crochet complexo
e condescendente
Com psicomotricidade.
Com cumplicidade.
Com a fúria inexplicável dos vulcões.
E com a paz indizível das marés.

Ser amado é como promessa de chuva.
O cinza nos alegra.
E o sol ilumina nossa sede.

Quando li nos seus olhos
finalmente o gancho final
da mensagem.
Percebi que errei o passo 
na dança...
E, meu corpo perdera o ritmo
pelo impacto das palavras
que em fonemas finos
cortaram toda a miragem.

Agradeci seu sentimento.
Agradeci sua retidão absoluta.
Seu amor envesado
Que atravessou o salão.
E ricocheteou assimétrico.

E, no último gole do licor
sentir o amargor da partida.
Senti que tudo se resumia
em adeus em lenço rendado.

Que escrevia rimas inesperadas
em meu coração.
A geleira de seu olhar
me conservou expectadora
e expectante.
Congelou meu espanto.


 
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 23/07/2016
Reeditado em 31/07/2016
Código do texto: T5706808
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