A MANHÃ QUE TARDIAMENTE ANOITECE

Um dia, quando era menino na mente e doce no coração,

esperei que viessem do céu os anjos em suas brancas roupas,

que descessem por uma corda e depois andassem pelo chão,

que ajudassem as mulheres na lida diária e os homens na lavoura,

que espantassem os demônios que caíram na terra por exclusão,

que pintassem os grãos de trigo com a cor que brilha e tudo doura...

Numa tarde, quando era adolescente na mente e vago no coração,

esperei que caísse ouro do céu e diamantes como chuva de granizo,

que naves viessem nos salvar das enchentes e das maldades tão

perversas mas entendi, logo em seguida, que havia perdido o juízo,

que nada é de graça e se não se lutar por algo válido tudo é em vão,

em vez das benesses celestes tudo o que se consegue é prejuízo...

Numa noite, já homem feito, de mente ocupada e de já gasto coração,

esperei apenas que o céu não saísse do lugar num Armagedom frio,

bebi o café e me recostei na cadeira de balanço e filosofei, então,

a pensar que o que vale é gastar o tempo no trabalho e no cio,

não se deixar levar por nenhuma política e nenhuma religião,

convidar um amigo que escreve para lapidar a lápide que o rio

da vida um dia levará embora, e com ela o nosso doce coração...