TRAJETOS DIÁRIOS

No teu trajeto,

se é trajeto a rotina do trabalho para casa,

teu corpo,

dentro de um Ford retorcido,

torna-se sempre uma coisa sobre o asfalto,

às vezes miragem líquida;

às vezes espectro rolante.

Hoje no teu trajeto diário rumo as profundezas do teu ser caseiro,

(que se dissolve durante o sono,

em uma placidez qual sapatos emborcados sob a cama,

e acorda comovido, mesmo diante do mal cheiro que se exalou)

encontraste um acidente de autos com vítimas.

Tu passaste, mas restou o desejo,

daquelas ferragens pertencerem a ti,

se tu fosses o animal certo,

o ente trombador implacável sobre aquele mar,

uma jamanta sem lona permeável,

que não tremesse por dentro

como um eixo mal regulado.

Foi hoje, eu percebi

pelo teu rosto atento e arregalado,

fora dos limites do teu bólido de rodas,

tu, o imobilizado,

olhavas as vítimas e descobrias,

- atrás da escuridão de um óleo de vida enfim vencido -

a tua verdadeira e suprema

Tara.

Do livro “Borboletas noturnas não existem”

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 21/05/2017
Código do texto: T6004805
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