Caixa

. Caixa

.

Confiro no meu acervo

a posse de uma caixa

de uma cor ingénua

entre dourada e terrosa

com sulcos venosos

e o exalar a cânhamo

nestas bodas de prata

de todos os meus vícios.

Tão perfeitamente

se encaixa em mim

a minha caixa

e se me encastra

que tanta coerência

me inspira lucidez

mesmo na ambiguidade

de a caixa estar trancada.

Louvado seja Deus!

Eu disse "trancada" ?

Trancada, talvez não!

Que ela não tem tranca.

Tem fechadura. Isso!

A caixa está fechada

e eu perdi-lhe a chave.

Tudo o que me autentica

poderá estar lá dentro

nesta caixa fechada,

sempre tão tranquila,

e silenciosa.

Libertariamente,

poderei, enfim, arrombá-la

um dia ou noite,

talvez na terra de ninguém

do amanhecer,

com ou sem emergência

que o justifique.

Seja como for,

ponho-me a imaginar

a caixa num eclodir

de casca de um ovo

tatuada a preceito

de rugas, varizes

e, naturalmente,

de todas as minhas chagas

e cicatrizes.

Se assim for, será;

como um voltar a nascer.

Sim!, - voltar

e sim!, - nascer

Pela reincidência

será mesmo – re__voltar

e para todos os efeitos

- renascer.

Em suma e no conjunto,

uma revolta em renascer

e do obscuro da noite

para a clarividência

das manhãs serenas.

Pois violenta-se, então,

a fechadura para denunciar

ao incauto universo

a fórmula da minha respiração

e o que se passa de indizível

entre um sonho de gente

e o pulsar de um coração.

Porque não numa caixa?

Que o estar fechada

não implica estar vazia

e o não ter a chave

será sempre tudo

menos não ter sentido.