SERVIÇO PUXADO
Você não sabe o que é puxar essa carroça
o que colocam dentro dela não sei
só sei que pesa e cortam minhas cortas essas tiras de couro
esse sangue fresco que seca e se dependurada na minha pele
às vezes tenho visões que turvam meus olhos
vejo templos e igrejas ruindo sobre as cabeças
gritos de cegos dizendo-se profetas
esse couro em minha costas deixa marcas profundas
não sei o que carregam aí
quando olho para trás vejo caixas de fuzis e metralhadoras
mísseis e montanha de capacetes
n'outro dia carregam dinheiro embrulhado em plástico
homens riem e cospem em mim
esse couro que corta minhas costas está me matando...
De noite descanso encostado neste monte de terra
e nem as formigas me deixam em paz
escuto-os à roda da fogueira cantando suas perversas canções
bebem e contam vantagem do que fizeram
que mataram pais de família e roubaram-lhe os filhos
estupraram jovens florescentes
jogaram crianças do precipício
e tudo aquilo dói em meus ouvidos
e eu rezo quieto no meu canto
essas marcas de couro em minhas costas estão me matando...
Sei que a manhã nascerá com seu sol amarelo e pastos verdes
esperarão pelos cascos de animais selvagens felizes e livres
enquanto eu serei arreado e posto a caminho da maldição
carregando o fardo pesado dos homens maus
não sei se ouro roubado ou comida desviada
só sei que a estrada é longa e nunca termina
como a maldade do homem também não
e eu puxarei esta carroça com minhas últimas forças
e essas correias de couro nas minhas costas estão me matando
e sei que serei liberto quando não puder mais andar
e encostado ao barranco um deles rindo seus dentes podres
sacar o revólver e atirar em minha cabeça
e só quero lembrar no último instante
de onde vim e dos meus pais
comigo no colo
e eu rindo
sem saber que a vida um dia seria assim...