HORAS INCERTAS
Pássaro, por que cantas na minha janela
se tantas hão por aí, choros e lágrimas,
tantas que esperam o canto que apascenta a alma,
e aqui, onde as palavras escaparam do medo,
pousas e me diz, batendo as asas,
tuas poesia atravessa a noite?
Ouço a fúria do mar de aço e suas tempestades,
crianças descalças a andarem sobre destroços de guerra,
homens sem membros a pularem o fosso,
pássaro, pássaro, por que cuidas de um reles poeta
se o teu voo traz a alma dos deuses e ao homens empresta
o cântico que em teu sangue ecoa,
pássaro, pássaro, por que ao meu redor voas?
Cada um cuida de si e de seus lamentos,
abraça os seus e os chama para a morada quente e segura,
pássaro, pássaro, por que cantas tão doce lamento
se o que vê aqui aqui fora é o que me fere por dentro
neste tempo de ócio do amor e a brevidade da loucura?
Quem te ouve pede e implora
que voes até estas janelas de folhas abertas,
espera teu canto de rouxinol que no céu demora
e cai como pétalas sobre quem vive horas incertas...