Acordo Sempre Onde a Traição Impera

Acordo Sempre Onde a Traição Impera

Acordo sempre onde a traição impera

Onde o inverno é o sumo deus de cada coração e lar

E um caldo ralo de lavagem, em sujo alguidar

É o holocausto que deitam à primavera

Sempre desperto em países distantes

Ontem hoje e a cada dia piores do que antes

Sempre acordo num condado sombrio

Povoado de caveiras a abraçarem-me com seu frio

Acordo mormente triste num mundo nefando

Erigido com os átomos do Mal

Cujo diuturno crepúsculo vai tudo sepultando

Da aurora austral à boreal

E não finda ou morre,

Moendo tudo em seu negro bojo

Disto acordo já cheio de nojo

Aos chutes despertam-me a cada novo dia

No centro de um fausto baile à fantasia

Onde todos, democratas, vestem-se de Mephisto

Cativo, arreio a cangalha que deitam ao meu corpo imundo

E mostro-lhes, em chagas e nu, meu eu profundo,

Desvelando no meu, vil, o ardente Coração de Cristo

A multidão bacante gargalha, mas três ou quatro arlequins

Num brilho de olhar, entendem que Um Outro Mundo Existe

E o restolho de esperança trôpega que há em mim

Nestes tênues olhares que brilham, resiste e subsiste

Desperto à meia-noite aos gritos de um tordo,

Sempre divisando já, no horizonte do dia

A doce hora de deitar, unívoca alegria

E quando deito sonho que neste mundo não acordo

E nesta hora, dentro deste sonho meu nunca vero

Sonho então o meu único sonho verdadeiro:

Vejo, Senhor Jesus, ao ressonar mais uma vez

Na cama solitária de minha invalidez

Num repente, à minha volta,

Romperem-se em grã revolta

As paredes de minha húmil choupana,

Fogo a grassar, da cama ao teto da cabana

E meu corpo, ardente, posto agora a flutuar

E então, em A Tua Volta,

Em O Teu Grande Dia (que havia de chegar)

Eu, transido em nova natureza, derradeiramente DESPERTAR.