Sombra e Branco

I

O contorno inquietante do silêncio,

intimamente preciso, erguido

junto ao odor sulfúrico

da janela perdida na névoa,

o instinto não humano

presente na experiência noturna

e como fosse além dela um inverno inquieto,

um oxímoro perdido,

encoberto de chagas humanas.

algo como incenso,

fraco e denso,

inconscientemente tentador

incita a narina canina,

imprópria.

E o corpo, no perímetro sinestésico da inquietude,

arqueja um pensamento,

vagando pela liberdade deste corredor cartesiano.

O aspecto da noite,

vil e impassível,

onde peregrinos de si mesmos jazem,

explícitos,

vagando ocos na orquestra figurada...

letargia interna que aspiram.

moribundos,

encontram-se em pensamentos rarefeitos,

eternamente invernais.

E que calvário!

E a estrela cálida tarda

a ampliar-se no poliedro voluptuoso

da imensidão cósmica,

implosão mental!

O corpo pede arrefecimento.

II

O canto andrógino da torre colossal

ergue d'aura o escuro manto cabalístico

cujas ébrias criaturas forjam o arsenal

das fontes parasitas, e meu peito místico

curva a derme luminescente da rocha de prata

na direção inerte da vereda que desata

A elipse soturna da visão complexa

irrompe o medo no andarilho espectral

e eu encontro-me: rouquidão perplexa;

vislumbre de arquitetura em débil funeral

da corte de cadáveres de face inexata

junto a amplitude ofuscante da Noite intata

Oh, canto de origem orgânica a fenecer.

da aurora sinto a desilusão, a estremecer.

E corvos, quadrúpedes, quimeras, contam a mim:

- Não foram nós, seres pútridos, que os deixaram assim!

Olho, desvairado,

a forma tubular da escuridão

que me convida,

ensaio passos desesperados.

III

Na fluidez da chacina imersa

nos ventos imperativos,

pernas intensas, consumo

aeróbio da fuga,

o desprezível esforço,

fermentação láctica, dor.

Caminhos labirínticos,

e o sistema medonho do terror

irrefutavelmente rígido,

me sugando a alma distendida.

Glândulas no seu ofício,

secretam suores ásperos,

e as falanges esqueléticas

aproximam-se do indigente atônito,

cego pelo castelo de carne cinza,

com seus adornos de sangue.

Oh, criatura de tal magnitude insana !

o martírio teu que me confundiu,

me atormentou

e quando prestes a me mutilar;

Susto.

IV

As imagens repentinas são tácitas.

um momento interrogativo,

extremamente translúcido, como

o insano despertar de um feto:

O tormento opaco da imensidão da ausência

perde-se em oposição da forma que perdera.

E o desdobramento retilíneo de uma derradeira

vida, pulsa longe em eterna quiescência

terra em forma de alvidez sonolenta

pelas cifras brancas de uma sinfonia

desabrocha pálida na branda alquimia

de uma transformação grave e turbulenta

Mil braços de mil anjos enlouquecem

em uma entropia alucinante

-anulação do horror-

a perdição concreta de quem

caminhava pela Morte:

o tempo que cria o vão

Furtivamente ergo-me, límpido.

acima de meu crânio aturdido,

reina a figura de plasma

em sua caótica distribuição de

hélio em equilíbrio relativo.

Ponho-me a vagar,

asséptico,

no pasto repentino em que me fervo,

na prospecção vasta do que acontecera.

V

Como fosse um dia azul,

a cólera crepitante das luzes

reverberam na sensitiva origem química das organelas de minha retina,

constantemente intimidantes,

obviamente infindas,

como um arpão de fótons

perdidos das partículas subatômicas indecisas,

me agonizam cruelmente e

me arrastam a um templo

tão fulminante quanto estes.

Mil braços de mil anjos me elevam casto,

ao altar sacro e eu,

herege,

permaneço absorto na dilatação niilista

do asco

A pele abstrata da parede talhada em deformidades

gráficas me intimidam,

escritos úmidos e não dignos de releituras,

e o anjo tenor edifica um diagrama

de canções castas, e me envolve com o tecido

afrodisíaco da obediência: Sentimento hipnótico,

os membros infiltrados por cansaço,

e o fluxo devastador de medo e espaço

entrelaçados na dormência de meu ser aprisionado.

E a condição de existir naquele súbito momento atemporal,

na influência direta

da obscuridade sagrada, não obstante crua,

pairava sobre o ar religioso de tudo.

Perco o equilíbrio e desabo ignorante

Som de ondas açoitavam o ar como uma foice,

vagarosa e efêmera,

como isto que se diz meu organismo.

Susto.

VI

Novamente calmo,

ergo-me junto a vista da janela perdida na névoa.

Os sentidos abafaram-se,

os pensamentos dissiparam-se,

e a figura perturbadora da janela interrompia

minha ofegante indagação de tudo.

A janela sempre muda.

A janela sempre surda.

Da janela mal se sabe algo.

A janela é ponte, flácida

A janela é fonte plácida

Da janela escorre o ermo lago

Pelos capilares da continuidade da mente

deságua um horizonte antiteticamente esguio,

o curso pesado e manso,

repleto de lembranças cíclicas

embebidas no éter neutro da genialidade do acaso.

E ao redor de uma noção de calmaria,

irradia a ressonância das almas calcificadas no suicídio,

com poucos grunhidos,

cruelmente característicos

e incompletos.

Na tentativa de alcançar novamente a abertura estática,

brota em minhas terminações nervosas uma lancinante agonia óssea

com o objetivo frenético de um bloqueio repentino emoções.

E novamente fitando

a figura convexa da janela, imemorial,

tudo respira,

a convulsão cutânea dos poros termina,

olfato, audição, não tão comprometidos

diante deles, sou apenas unidirecional,

e escrevo.

VII

Como a face espelhada de um vulto,

é tênue a separação universal de conexões predestinadas.

Está ela, evidente,

na oposição fúnebre das ideologias terrenas,

sempre o rasto dos acontecimentos,

a matéria,

cravada no firmamento planetário dos jornais.

Está em tudo.

Na composição egoísta das relações entre os seres,

está latente:

a falta de humanidade.

Presente no sepulcro imóvel

da racionalidade.

***

Heitor de Lima
Enviado por Heitor de Lima em 22/04/2014
Reeditado em 23/07/2014
Código do texto: T4778963
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