ENTRE POESIA E MISÉRIA

Extirpa-me a língua, os olhos,

Mas não peças que me cale!

Impossível calar-me a alma!

Nas entranhas dessa História

Vi beleza e barbárie!

Eu vi as rosas...

De Hiroshima

E também de Nagasaki.

Vi a luta de Zumbi

Das senzalas a Palmares.

Anjo preto nunca vi

Nos adornos dos alteres.

Vi Revolta da Chibata

Contra nossa força armada.

Entre os "muros do apartheid"

O sussurro de Mandela

Implorando igualdade.

Entre poesia e miséria

A palavra é o que me resta!

Então não peças que me cale!

Extirpa-me os ouvidos, os dedos das mãos,

As cores e o pincel, a pena e o tinteiro!

Mas não peças que cale.

Impossível calar-me a alma.

Temos telas de Monet

Os telões de Charles Chaplin.

Castro Alves e Pessoa,

A lírica poesia.

Não me fujam

Beethoven e a 5ª Sinfonia,

O Bolero de Ravel

E o tango de Gardel.

Entre poesia e miséria,

A palavra é o que me resta.

Então não peças que me cale!

Extirpa-me a liberdade!

Mas não peças que me cale.

Impossível calar-me a alma.

Eu vi os trens de Auschwitz

Holocausto e massacre!

Então não peças que me cale.

A palavra ainda me resta.

Dualismo Colossal!

Do mesmo orginal

O mais absoluto extremo de bem e de mal.

Jamais peças que me cale.

Mas se um dia me faltar

O esplendor das coisas belas;

Se faltar-me o espanto das barbáries,

Arranca-me do peito esta alma!

Pois de nada mais ela me vale.