O SÉTIMO DIA II

Que grande angústia me habita e que estranha ilucidez se me apodera em minha insalubridade sobejada.

Pensei que as melodias ressoantes de palavras lançadas aos ares enfeitados; que os sentimentos espraiados em juras ou perjuras por toda a seara por onde andamos a semeá-los; e que toda a confraternização sob todo o espectro fossem genuínas. Mas ao que me rumino devaneadamente, diante de nossos túmulos pintados a falso ouro, não passam de espasmos incautos a contaminar a verdadeira realidade de onde há ausência de nossa visão entorpecida em nossos próprios vinhos insulsos.

Toda vez que inauguramos algo em nossos pensares ou em nossos dizeres, imediatamente também criamos reflexos deturpados que nos revelam. Onde nos projetamos castos ou implantamos um bem em qualquer parte, comprovamos a criação também de um mal contrário em algum ponto da orbe.

Onde semeamos amores, crenças ou esperanças quaisquer, haverá de ter também o escarro viu, o apelo recusado, e os cacos de sonhos quebrados. Onde criamos deuses para nossas adorações e alívios, haverá de ter também demônios para despejos de nossas próprias chagas. Onde nos postamos como heróis ou como sublimes seres, haverá de ter proliferação de cobardias ou de escarros lodosos por detrás de nossas máscaras insalubres.

Como entender, então, de nossos paradoxais centros genéricos, que nossos pisares presentes ou nossos anseios em porvires irrealizados; que nossos sentimentos sempiternizados em soçobros manifestados; que nossas explicações de tudo a nos aprazer; e que todas as demais configurações da máquina estão condenadas em suas próprias engrenagens, se despercebidos somos de nossas deformidades?

Ao andarmos pelo tempo aprisionado em nossas embalagens e pelos espaços adulterados por nossas ebriedades, não nos sentimos anomalias, pois nossa vociferada e tênue sobriedade advém exatamente da incapacidade de contemplarmos um algo existencial que possa haver sem nossas concepções ursas. E do ponto em que nos colocamos como fulcros com nossas egocentralidades é que emergem interpretações de todas as coisas, e para onde se convergem todas as pseudossubsistências, condenadas, por isso, a serem ilegítimas ou degeneradas.

Ainda com um pouco de receio de condenar nossas existências antes do tempo próprio do apagamento fatídico, reluto diante da noção ilúcida de que cordões umbilicais fragilizados nos ligam a nossos princípios contrafeitos e a nossas condições humanas apócrifas. Vencido em mim mesmo, entretanto, entre névoas espessas através das quais não vejo bem, percebo-nos em composições paradoxais, de onde regurgitamos nossas essências perfídicas e indeléveis.

O que me moveu para baixo no crepúsculo meu? Perambulo sem rumo com uma dor que me segue em minha própria sombra e começo a ter uma certeza não bem delineada: Somos um algo qualquer, inexplicáveis deturpações digerindo prognoses de toda ordem. Sim, a partir de nossos "eus" apócrifos é que realmente somos construtores de tudo que nos apeteça ou nos quede.

E declamo assim, às vaias recebidas, que todo olhar lançado a qualquer ponto da pradaria ou do deserto, eivado que é por deformidade do lançador, carrega em si abundâncias de desejos e de exigências que nos levam a quedas em nossas próprias transparências cegas.
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 27/08/2016
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