O MENSAGEIRO E A FULGA FLOR DE INVERNO

Diz a lenda que,
infectado por abnormidades
cernientes, habitava o rigoroso inverno,
em grandes geleiras abissais,
o mensageiro,

no qual repousavam olhares
perplexos os regozijadores de candidezes
e verdades, por verem, no frio caos,
seus próprios reflexos
turvos.

Um dia,
adentrou-se-lhe a morada
um sumptuoso ser de vestes aureoladas,
com a palidez imponente na face
e a insânia silenciosa
no olhar.

Percebeu o mensageiro
soturno que se tratava aquele ser fulgurante
de uma envilecida santa,
decaída em pecados
ominosos,

que ainda pensava ter,
incautamente, as asas da inocência
e da sabedoria. 

Como milhões de outros
prostituidores de palavras, corpos e almas,
extasiou-se da divina 
e ursa aparição

em seu corpo
sensual e delicado, em seus versos belos e espúrios,
em suas caldos doces e venenosos, em seus desejos cálidos
e promíscuos, em seus enlaces ávidos
e desleais,

enquanto ela lhe prometia
pertencimento em dádivas de amor sempiterno
comungando o vinho do corpo e da alma
com outros menestréis,

com quem andava a inaugurar,
por toda parte, as mesmas estórias com suas salivas
maldosas e seus com seus devaneios
mórbidos.

Por longo tempo,
o mensageiro alimentou, sofregamente,
a gula da santa em seu inferno
despido,

ofertando um duro caminho
até o penhasco para que ela pudesse perceber que
sua fome por imagens inventadas
e reinventadas

em magníficas quimeras
oníricas e em esplêndidos leitos carnívoros
era insaciavelmente
espúria.

Tresloucado,
embriagou-se do sabor amargo
daquele ser angelicalmente
disfarçado;

e, com lágrimas
silentes, choveu fogo no inverno,
restando-se cinzas
molhadas.

Bem sabia porque a pálida
santa acusava-o de ser o cão imundo,
bem como porque a ele retornava
após suas oferendas vertiginosas
entre as lendas e os corpos
do mundo.

Era porque ele
lhe descortinou os terríveis segredos
- que de outros eram
desconhecidos –

e lhe revelou sua imagem
nua e crua a andar como sombra entenebrecida,
ebriando-se entre os seres ciprestes
e as coisas simétricas
do mundo,

e enganando neandertais
sapiens em leitos de luzes e de mármores.

Depois de avisar sobre o lixo
a ser varrido, e vê-lo se acumulando,
cada vez mais, no cerne da corrupta
virgem,

ao fim,

ambos estavam em almas
expostas: o mensageiro era um apócrifo
disfarçado de amante
e conselheiro;

a santa era
uma demônia disfarçada com aura 
reluzente.

E a inevitável morte
deu-se no mesmo frio do prelúdio,
sem que nem um nem outro conseguissem paz
e purificação em seus fundos
imundos!
Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)
Enviado por Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent) em 05/12/2016
Código do texto: T5844784
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