Recomeçar

O dia amanheceu ensolarado e quente, um dia de verão. Da janela de meu quarto, contemplava mais uma jornada que se descortinava a frente de meus olhos, procurando valorizar cada detalhe. Esta obra divina, maravilhosa e incompreensível. Mês de janeiro, primeiro domingo, e a palavra recomeçar enchia todos os meus sentidos.

Recomeçar é sinal de vida, vida que pulsa independente da vontade, alheia à continuidade de fatos e sentimentos. E eu ali, parada frente a minha janela, como espectadora, incapaz de me movimentar, entregando-me a meus pensamentos. Nem sempre eles vêm para me confortar, muito pelo contrário. Visitam-me para me provocar, avaliar tudo a minha volta e muitas vezes sinto medo.

Medo estranho, uma dilacerante angústia machucando meu coração. Levando-o a se projetar pela pele, pelos olhos, pela dor, pela saudade. Um grito de socorro, o silêncio a minha volta, a consciência da unicidade de minha natureza, tudo chamando, clamando pela presença de uma energia que naquele momento, absolutamente, não conseguia encontrar.

Os olhos começam a arder, fitando aquele céu tão claro, que convida a agir, seguir em frente. Não era momento de dúvidas, era a certeza da continuidade. A manhã clara, quente deveria trazer a alegria de ter uma nova chance. Sim, uma oportunidade de preencher o mundo com aquela paz tão desejada. Mas... Sentia-me incapaz. Meu corpo experimentava uma sensação de frio, frio debaixo do sol, o frio da tristeza, o frio da inércia, frio que a luz não conseguia aplacar.

Recomeçar, pensava eu. Mais um ano que se inicia. Construção e muitos sonhos chegam com a manhã. Mas, permanecia ali, como se a noite ainda me abraçasse, com seu silêncio e sua trevas. Recordava tudo e todos. O ano que vivi. Tinha sido difícil. Muitos obstáculos, mas eu... Eu estava ali apesar de tudo. As pessoas entrando e saindo de minha vida, trazendo-me sentimentos antagônicos. Tinha saudades... Saudades dos momentos vividos, saudades das pessoas que se foram. Muitas delas não tiveram escolha. Foram obrigadas a partir, seguir seu caminho, mundo afora, estrada da vida, estrada da morte. Mas algumas saíram deixando a sensação de perda. Partiram deixando marcas, coração ferido, angústia e dor.

O dia me convidava. Desejava assentir a ele. Amá-lo. Pensar em seus momentos.Seriam tantos. Não mais voltariam. E eles estavam ali, passando diante de mim, como oferta viva do Senhor. Como a dizer que tudo pode estar inserido neles. Lágrimas e sorrisos, sonhos, muitos sonhos. Montanhas intransponíveis, que me cegavam, impediam-me de vislumbrar o horizonte. Mas os momentos, estes eram verdadeiros e os tinha ali, bem perto. Era só dar o primeiro passo.

Um ano que se foi. Também com eles muitos momentos. Instantes de dor, instantes de alegria. Muita luta, mas como poderia ser de outra forma? As dores desejam também me deixar, mas eu... Eu as aprisiono, como a me agarrar no medo, na culpa, no desamor.

Aprendo então a amar minha cruz. Ela me ensina, ela me lembra que sou filha de Deus. Ela me leva a procura pelo Pai, Pai supremo a me velar.Meus olhos, turvados pelas lágrimas, não O conseguem encontrar. Mas a jornada já alcançada me dá a certeza que Ele está ali. E então sinto que estou viva, viva pela fé, viva por tudo a minha volta, viva por toda esta criação, que novamente me convida a participar, a assumir o meu papel diante do mundo.

Meu coração ainda me maltrata, mas sei que preciso dar o primeiro passo rumo ao momento inicial do restante de minha vida.

Recomeçar, deixar para trás os dias chuvosos, em que a alma se torna noite. Seguir com determinação, amando a manhã que se renova, aprendendo com ela a nascer, crescer, morrer e... Novamente recomeçar.