O Funeral do Pássaro

* À Drica Salvador

O enterro do Velho Capir foi sob o tamarindeiro.

Diamante, meu cachorro, nos acompanhou sorrindo com o rabo; sem adivinhar nada:

As coisas não viam tristeza alguma na morte de um pássaro.

Eu seguia em passos de caracol, atravessando todo o pátio, com o Velho Capir enrolado numa mortalha improvisada, lembrando daquela vez em que Cristo chamara Lázaro, que já estava há três dias sepultado, como ouvira nas pregações do padre Bartolomeu, no púlpito da matriz.

De dentro de minha lembrança meu avô nos reunia, eu e Augusto. Foi então que ele nos deu o pequeno Capir, ranzinza e alegre, personalidade que eu achava que ele havia herdado dos velhos, como meu avô.

E agora não havia mais palavras, a lembrança de meu avô se sobrepunha ao enterro do pássaro.

Fiquei muito tempo de joelhos na terra recém revolvida, diamante ficara fielmente ao meu lado dentro daquele silêncio todo.

E a tristeza como uma névoa invisível se apoderara de todas as coisas, cobrindo o Universo de negro.

E quando o Tempo afastou o olhar, lá ficou aquela menininha de joelhos sobre a lembrança de seu avô.

O Tempo foi se afastando para o infinito de onde podia ver na história tanto o funeral daquele pássaro, quanto as investidas de Alexandre sobre o império Aquenêmida todos os fatos marcantes ou simplórios, as alegrias, as aventuras, as grandes e pequenas proezas dos homens sobre as Asas de Deus, desde que o universo era apenas uma semente de Picumã, onde ele conhecia todos os segredos.

Por muitos anos Ele guardou a imagem daquela menininha que ficou debruçada sobre a lembrança de seu avô no enterro do Velho Capir.

E bem mais tarde, quando Drica já não era uma menininha, conheceu um grande amor, que lhe apresentou o discurso de um membro que entrava na academia de letras, Guimarães Rosa. Que sabiamente dizia: “a gente não morre, fica encantada!”.

Veio-lhe à mente a imagem de seu avô, de Papa Capir e de sua tia Amélia, então seu coração ressucitou.

E compreendeu que um ciclo se fechara.

O Tempo viu no extremo leste do céu negro uma estrela prestes a renascer brilhando mais forte.

Sérgio Caldeira
Enviado por Sérgio Caldeira em 30/12/2010
Reeditado em 08/02/2011
Código do texto: T2699232
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