BEM-TE-VEJO...

Gosto de portas e janelas abertas. E foi por uma delas que você entrou. Essa parte eu não vi, claro! É o barulho que denuncia sua presença lá em cima. Corro escada acima pra ver o que se dá. E acho a fonte. Desnorteado, você tenta fugir por um espelho. Imagino seu desespero e quero ajudar. Vou falando baixinho “calma, calma”. Mas quanta bobagem! Você não sabe o que significa calma!

Calma? Tenho que rir de mim... Ah, mas não posso me furtar ao espetáculo de tê-lo assim tão pertinho. Você é lindo, hein? Dorso pardo, peito amarelo, coroa branca circundando a cabeça, bico longo e fino... Então é você! É você o autor daquela linda canção “Bem-te-vi” que ouço toda manhã! Ótimo compositor e músico, sabia? Sou sua fã de carteirinha... Bem-te-vi, se bem que nem sempre te vejo... Ah, meu cantor das alvoradas, prazer em conhecê-lo!

Bom, mas agora é devolvê-lo aos muros, antenas, arames e plantas do jardim. É lá que é seu lugar. Percebo seu estresse “Como é que vim parar aqui?”. Um medo negro boia nos seus olhinhos! Encolhido sobre o aparador ganha coragem para tentar uma nova fuga. Ah, e esta janela esquisita que não tem saída? Você não sabe, mas isso é um espelho. Nunca vai conseguir atravessá-lo. Espelhos são coisas que não fazem parte do seu mundo azul e verde. A não ser aqueles bonitos dos rios e lagoas. Mas isso é outro assunto. Este aqui? Bobagens que o homem inventa pra ficar se olhando... Deixa pra lá.

Como é que vamos fazer? Escuta... Eu sei... Você me escuta, só não me entende. Mas nada de mal vai acontecer, viu? Esse pavor que lhe faz tremer as penas e gritar uma série de bem-ti-vis-desesperados vai acabar já, já, prometo! Sorte sua! Você caiu em boas mãos! Olha, vou abrir aquela porta... Bem devagarinho, pra não te assustar ainda mais. O céu está azul... É para lá que você vai... A gente vai achar seu caminho. Opa! A palavra céu mexeu com você? Simples, é lá que mora a sua liberdade... Voa, então! Voa bonito, agora... Ah, voou! E me deixou uma peninha amarela! Um “souvenir” de uma linda manhã! Destas que só acontecem na primavera...