Nota de falecimento, extensa

A minha dor é algo particular.

A de meu pai é algo público.

Receber a notícia da morte de vovó foi uma brutal punhalada, quando todos aguardávamos sua recuperação. Um golpe de estado.

Nesse estado, tem meu pai, militar ativo, altamente prejudicado.

Nesse estado tem eu, militante ativada pelo sofrimento de meu pai.

Foi estranho escutar a nota de falecimento que foi dada por mamãe, mas foi cruel escutar tão distante o choro de meu pai. Quase que eu podia entender o que habitava suas tão fúnebres e rasas palavras:

A dor da saudade, do remorso e da desilusão.

Sem perceber me vi aos prantos. Logo mais entendi que houve uma transferência, sem intenção, de sua dor para mim.

Isso acontece quase sempre.

Em alguns instantes minha imaginação desequilibrava o corpo, pensava na viagem até Almenara, (onde seria o velório), em que

papai estaria dirigindo 14 horas sem revezamento, carregando a dor

da perda, o sono, o abatimento e mais 4 pessoas. Esse pensamento

me enlouquecia e enfraquecia meus sentidos levando-me a um estado

paranoico transitório. Meu apego, sempre fez doer em mim

tudo que nele doía, e toda vez que ele viajava sentia-me infame, com

uma parte descoberta.

Os dias que se seguiam à tristeza de meu pai, eram quase

a morte sentada no sofá da minha sala de estar; um luto

descaradamente estampado no espírito de papai e compartilhado

por todos nós.Uma nuvem negra, fria, chovendo dia e noite

em nosso lar. Momentos que eu não via a hora de acabarem-se, pela dor,

pelo amor e pelo egoísmo de querer meu pai sempre comigo.

Júpter
Enviado por Júpter em 20/06/2014
Código do texto: T4852136
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.