Dilacerante desilusão

O cinza das nuvens não incomoda, refresca. A alma que está sedenta, e sem norte, clamando à vida por uma dose de sonho e expectativa, embebedada de um rancor que como um silvo fino no ouvido, não permite um sono tranquilo. A raiva, este veneno sutil, ensina que tudo o que um dia foi flores e sonhos era uma tola ilusão, e a realidade fria como o aço de uma espada perfura e corta, e o sangue em vivo vermelho escorre, e a vida esvai...

A chuva molhando o corpo, marcado pela agulha e pelas promessas feitas à alma: seguir em frente sem olhar para traz, ao norte, ao destino indefinido, mesmo que só, sem muito o que lamentar, apenas de mão dadas com a velha amiga, alva e delicada Solidão personificada com meu próprio rosto, lembrando que nesta caminhada não existem aliados, apenas algum companheiro momentâneo buscando seus próprios rumos.

Há aqueles que não vão mais nascer, planos e sonhos, mas outros virão...

Fiz um acordo com minha alma de não mais chorar, com ou sem lágrimas, apenas seguir mesmo com flechas venenosas em minha pele. Tentando não ferir quem me cerca, por estar ferida de morte. Desvanecendo o brilho dos olhos, eu apenas sigo de pé, não há sossego para os cavaleiros sem raízes, que caminham pelos vales hostis, sem provisão ou perspetiva.

Emaranhada nos fios das Parcas , com um sorriso sádico nos lábios, é irónica a insanidade que a desgraça traz, é preciso uma dose de ilusão macia e doce para que suportemos nossa finitude, limitações e cultivemos crenças infantis de reconhecimento,cuidado e amor. Tão tolos, tão limitados, acreditando que existe pessoa capaz de ir além do próprio egoísmo, tanto hedonismo nesse mundo, convida a se afogar nos prazeres fugazes, nas futilidades que destroem a humanidade, que diminuem as pessoas a corpos “bons” ou “Ruins”, que classificam negativamente todo o defeito, que todos possuem, a algo intolerável...

Aprendi,há algum tempo, que o novo encanta mas demora a florescer na alma, aquele deslumbre inicial acaba sendo apenas brilho, o belo, o perfumado, o alinhado é como uma foto, pois no fluxo do todo dia, todos tem medo, se sentem sozinhos, precisam de algo além do holofote... Só quem ama e admira suporta seu sucesso e suas mazelas, é isso que o amor faz, suporta espera e crê... Mas Eros é ilusão, doce ilusão...

Em nossa terra de monstros com sorrisos perfeitos, de megeras e tiranos com apresentação impecável e boas almas em trajes comuns me pergunto, será que ainda posso veredar pelo caminho dos bons, estando amarga com este real que me dilacerou? Será que posso ainda escolher a doçura, o afeto, a beleza, a caridade...? Mesmo sentindo o abraço gélido da morte da esperança, e tendo a noite como lar, pois o sol ilumina o mundo lembrando que cinza está apenas a minha alma...

Espera... um dia tudo passa... Sem rosas, sem promessas e sem sonhos, mas passa... Sem tradições tolas, sem cumplicidade falsa, sem carinho e confissão mentirosa... Tudo passa, e os planos que eram apenas mentiras para dormir sossegado no travesseiro se tornam piadas, em que todos os envolvidos não estão sorrindo...

Apesar dos pesares tudo segue seu rumo, entre carinhos vazios, desejos sem essência, sorrisos sem historia... Vinho e meia luz, sussurros como um filme, com duração limitada e sem emoções reais, é tudo o que resta. Não é a solidão de outro corpo que mata, é a falta de sentido no toque e no encontro...

T Sophie
Enviado por T Sophie em 30/10/2014
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