Eu aposentada

Eu, aposentada, há 5 anos,

Nunca trabalhei tanto em casa

Meu dia não rende

Reclamo

Alguém me sugere

Levante antes das cinco

E ele vai render

Não, não quero

Passei a vida toda trabalhando

Trabalho duro

Jornada tripla

Duas cargas horárias

Uma como educadora

Em uma escola pública

Outra como autônoma

Outra como administradora

E executora dos serviços domésticos

Educadora e mãe de uma criatura

Linda e encantadora

Ao final do dia, exausta, exaurida

Sem academia, sem Pilates

Sem tempo para mim mesma

Sem massagem relaxante

Hoje, continuo administrando

E executando partes,

Mas deleguei tarefas e

Tenho duas ajudantes.

Não dou conta sozinha

Tenho que reconhecer e

Aceitar as limitações impostas

Pelo tempo impiedoso.

Nada mais é como antes!

Avisei aos parentes e amigos

Que sairia de férias.

Férias? Férias de quê?!

Alguém perguntou

Férias de casa... ué

Férias das mesmas paisagens

Férias dos enguiços do portão

Do interfone

Dos latidos do cachorro da vizinha

Das formigas passeando

pelo azulejos da cozinha

Buscando algum alimento

Das lagartas comendo

as folhas das alamandas

Férias dos pulgões destruindo

as florezinhas

mais sensíveis do jardim

Agora, quero um tempo para mim

Ah, eu precisava esquecer um pouco

Daquela rotina escravizante.

Levantar cedo

Tomar o primeiro remédio em jejum

Aguardar pelo menos meia hora antes de comer

Mas, que tortura!

Quantas regras para seguir, seu doutor!

Remédios e laboratórios escravizam a gente.

O oitavo ou décimo, é para tomar duas horas antes de ir para a cama.

Que sina! Não aguento mais essa rotina.

Queria isso, não!

Enquanto isso, faço uma varredura

Pela casa, apanhando as roupas que

Deverão ir para a máquina amiga

Separo, organizo

Depois lavo

Estendo, recolho, dobro, guardo

Ah, se não fossem as minhas ajudantes

O que de mim seria?

Enquanto a máquina faz a parte dela

Vou ao mercadão para as compras do dia

No dia seguinte, ao atacadão.

Faço as compras da semana, do mês

Depois tem o dentista

O médico

Os exames, o retorno

As compras de medicamentos

A fisioterapia e outras cositas

Se sobrar tempo, tenho que

Visitar parentes e amigos

Auxiliar outras pessoas que necessitam de mim

Organizar a casa diariamente

Separar material reciclável e não reciclável

Fazer campanha pró-ambiente saudável

Cuidar da conservação de móveis,

Ventiladores

E utensílios domésticos

Chamar o jardineiro, o encanador,

O pedreiro, o eletricista

Vira e mexe tem conserto

Tem reparos

Isso não é coisa para mulher, não

Já vi que não combina

Preparar o alimento do dia.

Colocar na mesa na hora certa,

Sem atraso.

Ah, eu precisava de uma pausa

De olhar para mim mesma

Por dentro e por fora

Estou aqui agora, deitada em uma rede

Olhando para o céu azul

E ouvindo o som das ondas do mar

Santo remédio!

Quero outra dose

Outra e mais outra

Não tem contra-indicação

Não tem nem bula...

Que maravilha!!!

Em casa, tenho uma rede

Mas, nela não me deito

Se ouso me deitar

Não fico um minuto

Até parece que nela tem espinhos

Aqui ouço o barulho do mar

Que paz!

Que sossego!

Não tenho pressa de nada

Eita vida boa, gente!

Que vidão!

O que mais posso querer?

A brisa do mar acaricia meu rosto na medida certa

Que mãos suaves a brisa tem

E beija também

Se em casa estivesse,

já estaria inspecionando as laranjeiras,

Alguma planta regando

A terra dos vasinhos trocando,

Plantando novas sementes

Preparando a terra

Arrancando ervas daninhas

Guardo sementes, planto,

faço planos,

faço mudas de frutíferas.

Serão alimentos para filhos, netos, sobrinhos,

sobrinho-netos e passarinhos...

Jabuticabas, pitangas, guaviras,

Mangas, goiabas, acerola, nêsperas.

Jambo vermelho do Amazonas, lindo!

Maracujás de vários tipos.

Faço mudas de árvores ornamentais:

flamboyant, ipês de flores rosa, roxa, branca e amarela,

Estou fazendo um pomar lindo

Lá no sítio

Um Chamamé me convida a dançar

e a rodopiar no salão.

E eu me lembro de que a vida é para ser vivida simplesmente ...

Enquanto ainda há...

Ah, mas não há quem aguente

Às vezes, é preciso parar

O corpo já não acompanha o querer

Que são tantos

São quereres

Mil quereres

Palestras, cursos, lazeres,

Cachoeira, sombra, trilha,

Paisagens para serem contempladas,

Pés na areia

Às vezes, quero parar e contemplar o por do sol,

mas não posso, algo me impede.

Que pena!

Faço planos: amanhã irei à beira do lago.

Amanhã vou fotografar dos altos da Afonso Pena ou da Orla Morena.

Quero fotografar as flores que encontro nas ruas,

As árvores ornamentais das avenidas.

Quero pegar aquele topo brilhante da Igreja Universal

Mas, noutro dia, o calor da tarde me faz esquecer.

Brisas da madrugada, Redes macias,

Luares, Estrelas cadentes, Pedidos

Lembranças, Saudades, Vida

Canções,

Quero parar um pouco,

Apenas relembrar tempos idos, contar histórias,

Folhear álbuns de fotografias,

Colocar cadeiras no jardim,

Reunir amigos, familiares,

E olhar o céu estrelado, como eu fazia,

Quando era uma criança que ria a toa

Procurando no céu as estrelas que brilhavam para mim.

Ou quando ouvia músicas na vitrola,

Que minha mãe escolhia.

Enfim, resgatar memórias...

Preparar a minha Festa Junina

Reunir amigos, familiares,

Separar as roupas que não uso mais

Ler aquele livro de poesia que ganhei

No último aniversário...

Andar à toa, olhar vitrine,

Visitar os velhinhos no asilo,

Ouvir suas histórias,

Ouvir seus pedidos: me traz um anel?

Seu pai não vai brigar?

Eu quero uma boneca,

Eu era professora no Paraguai.

Eu tocava berrante na comitiva pantaneira,

Eu tinha um pesqueiro na beira do Aquidauana.

Me dou conta de que a vida é muita curta.

Tantas coisas para fazer.

E a vida passando a galope.

Cada vez menos dias para serem vividos.

E eu com mais sonhos!

Muitos sonhos!

Mas, não quero apenas sonhar!

Quero produzir!

Quero acontecer!

Realizar!

Encontrar pessoas,

Meus primos,

São tantos,

Mais de oitenta!

Muitos já tem netos, até bisnetos!

Vou ter que agendar!

Não me adiantou aposentar

Ou me dei muitas tarefas

Ou estou andando mais devagar

Não sei!

Terezinha Alves Macedo
Enviado por Terezinha Alves Macedo em 24/01/2017
Reeditado em 24/01/2017
Código do texto: T5891339
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