O Que Vi Não Mente

Descendo sobre as duas rodas a rampa de saída da agência bancária, fui acordada dos emaranhados das contas com a visão que chocou; um homem com aparência de idade equiparada a minha, entregue a calçada do prédio num sono profundo, aparentava estar sob os efeitos do coma alcoólico, ou entregue aos sintomas do uso de entorpecentes.

Não resisti! Pedi para aquele que me auxiliava no trajeto que me deixasse um pouco ali, bem próxima ao sujeito.

Era negro, suas roupas indicavam que não tomava banho há dias, seus pés, rachados como de quem andava descalço, tinha uma crosta grossa cobrindo toda extremidade, ao certo não sentia o calor do asfalto mais.

As mãos imensas, cada dobradura dos dedos tinha marcas profundas de sujeira antiga. A boca, beiços carnudos,inchados, chegava dissorar.

Os olhos, cerrados como de morto. Por alguns segundos presa a cena, dialoguei com a realidade. Indaguei: Quem seria? Quem foi um dia? Motivos? ao certo encontrou um monte deles para levar ao resultado extremo daquele. Seria um desistente? ou vitima da exclusão social imposta pelos efeitos da falta de oportunidade? Crise econômica? Mais um perdido no labirinto das dores!

Metade do corpo na rua, outra naquele calçamento. Cena cruel, as pessoas transitavam ao seu redor como se ele não estivesse ali. E olha que foi bebê, passou por toda burocracia para dar "tempo ao tempo" para o corpo fazer o trabalho do crescimento. Que desperdicio!

Neste cosmo que todos estamos, naquele momento compaixão valia menos que ajuda interessada. Queria ter a coragem e força nas pernas e braços para tentar reanimar, sacudí-lo até não poder mais, para que saísse daquela situação típica de indignidade! Assim aliviaria a tristeza que brotou no peito. Estamos falhando enquanto humanidade.

Mas força física e emocional às vezes ameaça até em mim "ralear". Tive que terminar o caminho de retorno, entrar no carro e seguir viagem sabedora dos meus limites.

Aquele homem estirado ao chão na frente daquele banco indicou mais uma vez que os passarinhos cantam no céu, como sempre, e o sol sustém a vida, inclusive aquela.

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 16/05/2017
Código do texto: T6000376
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