por uma noite de momentos

     A encontrei na esquina, embaixo de uma luz amarela, inquieta, olhando aflita em seu celular minuto após minuto. Pode estar aguardando uma carona, pensei. Hoje há diversos aplicativos para isso, capaz que seja. Ou não, vá saber. Já era noite e vestia um casaco, desses leves que parece servir mais para estética, uma bolsa cruzava seu ombro e um shorts curto, como qual prendia os olhos da maldade que passava, e voltava e voltava e voltava querendo prender-se naquela marca. Minhas mãos coçaram, como se faltasse algo. Por mim ficaria ali tentando adivinhar aonde ela iria e o que faria nesta noite de quinta. Imaginando sua voz, seus gestos, seus sorrisos tímidos e extrovertidos. Coisas que gosto de pensar que ninguém mais faz. Pude ver seu rosto, mas infelizmente de perfil. Cabelos longos, castanhos, que voavam ao cobrir o pouco que eu conseguia ver. Tinha bochechas salientes, apesar de ter visto apenas uma. Lábios carnudos. Merda, quem é essa garota e por que nunca a vi antes? Será que mora por aqui? Eu deveria sair de casa mais vezes, pelo menos pra vir à padaria, e que fosse nesse horário. Não, que fosse mesmo em qualquer um, também, não faz diferença. A surpresa não tem data para chegar. Essa talvez seja a sua beleza. Como a que eu encarava, ali, estonteante. Os outros que por ela cruzavam, ou paravam na banca à minha frente, ou se quer prestavam atenção. E eu me questionava como que isso poderia ser possível. Tantos olhos, tantas estrelas, tantas horas que se passaram para eu estar ali, despretensiosamente, somente observando o balé que aqueles longos cabelos dançavam com o vento. Eu poderia me apresentar? Sim, eu poderia. Seria apropriado? Merda, o que mais nesse mundo ainda é? Mas como eu faria isso? Será que há alguma regra pra isso? É, é impróprio sim. Já está tarde. E mesmo que não estivesse, não tenho o que falar. E mesmo que eu tivesse, em nenhum momento ela me chamou. Cadê o roteiro? Não sou bom com eles, mas minhas atuações são outras coisas. Tá, pode ser que sejam exageradas. Que merda, cara. Por que você foi aparecer logo agora? Logo quando tudo estava indo tão bem. Você mora por aqui? É porque eu nunca te vi. Sim, eu moro ali, seguindo aquele caminho.  Nossa! Que legal! Ué, porque não é todo dia que vê-se beleza nessas ruas. Sim, é algo bem raro. Escasso, quase. Acontece. Pois é. Não, que isso! Tudo bem, claro! Vá lá! Enfim, tenha uma boa noite. E divirta-se! Quem quiser passar vergonha, deixar se parecer um doente, um pervertido no mínimo, deveria ter meu contato. Eu poderia fazer disso um negócio, também. Como estragar primeiras impressões. Como estragar a própria imagem. Agora ela irá falar de mim para as amigas, para os amigos, para quem mais achar que deve. E quando passar por mim em algum outro dia irá me reconhecer, ficará assustada ou provavelmente rir. Tudo porque não fiquei quieto, não aproveitei esse tipo de beleza. Porque sim, minha sorte, quando quer me fazer passar vergonha, ela não falha.
     "Ei, vamos."
     "Oi?"
     "Oi, tudo bem? Vamos.'"
     Olhei para trás, para vê-la seguir seu caminho. Quantos momentos desses nós temos mesmo? Merda. Quem sabe na próxima. Baile que segue.
Cleber Junior
Enviado por Cleber Junior em 11/08/2017
Reeditado em 27/08/2017
Código do texto: T6080925
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