FRAGMENTOS E CISMARES 14        
  
         

               [DAS PERDAS E ENGANOS]



            "O tempo é que é a matéria do entendimento"_(G. Rosa)

 

             Tocamos essa vidinha sem pensar nas perdas. Nem nas penas, nem nos galhos e embaraços, nem nas sementes lançadas em terreno estéril. Tem-se a impressão de que a existência em si é estéril.
           Tudo isso nos chega, claro como água, mais dia, menos dia. 
            Chegam-nos também os pensamentos torturantes, a sensação niilista de que tudo, ao final, não valeu a pena. Aniquilamento. Luta inglória. A experimentação do absurdo! 
Trazemos à tona motivações rançosas, desfiamos uma ladainha de  respostas viáveis, de explicações convincentes para encobrir nosso tédio e solidão... inventamos sentimentos, sentidos como verdadeiros.
É o vazio da vida.  A tecelagem da ilusão. Será que um dia...-  indagamo-nos.
A cru não conseguimos viver. É como percorrer uma estrada sem luz e sem paisagem.
             Para negar a realidade - que não combina com nossos anseios e  necessidades - saímos recolhendo migalhas, bocados sem destinatário, aceitando qualquer condição que se nos aparece, apaixonando-nos pela primeira pessoa que nos diz algo amável ou nos olha com atenção... Seguimos cultivando e consumindo nosso próprio ópio, convictos de que empunhamos o leme, conhecemos o traçado e o percurso da nossa vida... de  que temos controle sobre as coisas, fatos, pessoas.
Não.  Somos criadores das situações, dos envolvimentos mas não do bom tempo durante a  viagem, do desfecho... que, em geral, frustra o esperado, burla nossas quimeras.
[Por que me foi descortinada esta ilusória manhã desconcertante pela qual enveredei? , escreveu uma amiga, poeta.]

               E quando a madrugada avança pelas três, pelas quatro, o dia  já se  preparando para entrar em cena,  horas em que o corpo se encolhe, tem frio, tem sede, tem fome e chora sua aridez, a solidão, a enganosa espera, a vontade de achar uma saída, nesta hora  damo-nos conta de que o hábito já nos tragou.
Negar, porém, é preciso, seja por um lado seja por outro.

               O barco das ilusões quer prosseguir viagem.
               A expectativa é um coquetel de adrenalina.
               A espera vicia. 
               Na maior parte das vezes ela sabe que é ilusão mas não pode passar sem esta e então...





 

KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 10/11/2007
Reeditado em 27/06/2012
Código do texto: T731914
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.