FÓRMULA UM (Série Folclórica Memória) ROBERTA LESSA

"(...) EU SÓ PEGO NO TRANCO, E QUANDO CONSIGO DAR NA PARTIDA VIRO FÓRMULA 1(...)"

E assim começava os domingos lá em casa, e sempre ouvia essa frase nas falas "encaipiradas" de meu tio amado que adorava assistir "corrida na Tevê", adorávamos assistir o eterno Emerson Fittipaldi(*) com seu "narigão" e grande sorriso farto. Aliás a casa se preparava toda já de véspera:
 
... Era avó assando pão de madrugada, no forno de barro recém reformado,  pra gente  ir comendo bem quentinho e "esfumagando de doê", era só passar "mantega aviação" que derretia e perfumava a casa toda ...
 
... Era mãe fazendo café no fogão à lenha e "passando" no coador de pano; acendia sempre uma vela branca para São Benedito, ao lado da sua conhecida canequinha de ágata branca já cheia do líquido recém coado, dizia que era "p'ra dar sorte e nunca fartá o que cumê"....
 
... Era vizinhança chegando de mãos e corações cheios para assistir, trazendo sempre um bolinho de "bufá" com erva doce, uma mandioca frita, batata doce cozida, e já se "abancavam" pela grande sala da chácara...
 
... Era aquela tia caçula que ainda jovem vibrava ao lado de seu namorado que se parecia com o John Lennon, gritando emocionada a cada ultrapassagem daquele  piloto que quando ganhava muitas corridas e trazia sorrisos para os olhos da nação...
 
... Era eu pequenina, de carona não entendendo tudo muito bem, mas de olhos arregalados de contentamento apreciando o cenário familiar entre uma "picoca" e outra, ria, ria muito, gritava, xingava, imitando todos que não se continham...
 
... Era avô moendo cana p'ra gente "bebê", nem disfarçava o quanto gostava de ver a família "junta", pois todos sabíamos o quanto éramos unidos e nesses momentos essa certeza se tornava ainda mais forte...
 
... Era irmão que de tão tímido se escondia encolhido embaixo da grande mesa de madeira esculpida à mão pelo tataravô construtor. E só aparecendo somente quando era obrigado...
 
O domingo era dia de macarrão com molho de tomate madurinho colhido na horta, frango caipira assado, salada de alface com cebola e tomate temperada com "limão rosa", gengibirra e tubaína da orlando " as famosas " que vinham em garrafas de vidros verde e marrom.
 
Lá fora as folhas das árvores cantavam vento que as sacudiam numa louca dança, tamarindo maduro no pé esperando colheita, jaca na árvore rescindindo o lugar com seu bom cheiro, abacate manteiga, manga bourbom, espada e coquinho, bananeiras nutridas de frutas em coloridos cachos, e a bicharada... ah a bicharada... Quando ouviam nossa torcida torciam também "pegavam fogo" lá fora no terreiro, era pato, ganso, marreco nadando, porco fuçando, galinha ciscando, raposa roubando ovos das patas, cachorrada correndo enlouquecidas feito gente doida, e o "loro", ah esse era pura alegria.
 
E sempre chegava mais um, e mais um, e mais um, na tarde todo mundo tomando lanche... era uma comilança danada; não se fazia nada só causos eram contados. E o dia terminava com as "mulheradas" da família colocando as roupas de "vê Deus" e iam à igreja do Bom Jesus  "à pé, rezá missa"...
 
Ao final do dia, noite chegando após o sol "cair", quando todos já estavam dormindo, minha avó rezava em frente ao altar improvisado de madeiras caídas das  árvores da nossa terra e esculpida como oratório à formão, enfeitado de rosinhas brancas recém colhidas do jardim junto das dálias coloridas. E eu observava minha vó rezando suas ladainhas, deixando um copo com água ao lado da imagem de Santa Clara e todos os santos de sua devoção, e o copo lá ficava coberto com um guardanapo branco para no outro dia, e logo pela manhã ela misturava na água da "talha" de barro para todos tomarem água benta fresquinha.
 
Ela sabia que eu sempre a observava, deliciada com a imagem, com seu eterno vestidinho de algodão florido, o avental amarrado e já surrado pelo uso, alpargatas roda marrom nos pés. Eu ficava esperando ansiosa ela fingir que estava uma "onça"e ralhasse comigo me pondo na cama pra dormir dando palmadinhas no bumbum e abraços de boa noite
 
Era nosso momento..e são guardados em minha memória afetiva, e que somam à tantas coisa que vivia na minha infância... Nossos domingos... um domingo com minha família.
 
(*) - Emerson Fittipaldi é um dos pilotos mais vitoriosos da história brasileira, e foi o primeiro brasileiro a se tornar campeão mundial de Fórmula 1 e em categorias de ponta no automobilismo internacional, abrindo portas para vários compatriotas. Fittipaldi foi bicampeão da Fórmula 1 em 1972 e 1974, campeão da Fórmula Indy em 1989 e bicampeão das 500 milhas de Indianápolis em 1989 e 1993. Com isso, ele é o único piloto na história a vencer o mundial de Fórmula 1 e as 500 milhas por duas vezes, e um dos 4 a integrar o seleto grupo de pilotos que encerraram suas carreiras sendo campeões da Formula Indy e da Formula 1.
FÓRMULA UM (Série Folclórica Memória) ROBERTA Roberta Lessa
Roberta Lessa
Enviado por Roberta Lessa em 21/06/2017
Reeditado em 21/06/2017
Código do texto: T6033435
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