A volta do super-herói das crianças

Miguel Carqueija



Resenha do almanaque “Super Popeye” (Ediouro Publicações Ltda., Rio de Janeiro-RJ, 2014) – King Features Syndicate, EUA, 2014). Roteiros: Roger Langridge. Desenhos: Bruce Ozella, Ken Wheaton, Tom Neely e Vince Musacchia. Colorização: Luke McDonnell e Tom Neely.



A história original do marinheiro Popeye não é muito conhecida. Ele surgiu dentro de um universo ficcional preexistente há anos e acabou se tornando mais importante que todo mundo — mais ou menos o que aconteceu com o Tio Patinhas. Lemos no artigo “Popeye volta às origens”, de Otacílio d’Assunção, que abre o presente volume, o resumo da história: o cartunista norte-americano fazia a tira de quadrinhos “Thimble theater” desde 1919, onde já apareciam a Olívia Palito e sua família, o casal Oil e o irmão, Castor, um tampinha meio zangado. Olívia também tinha o seu namorado, Harold Hamgravy; todavia, quando em 1929 Popeye apareceu como um personagem secundário, acabou se tornando o principal e passou a ser o namorado permanente da Olívia. Harold foi esquecido; com o tempo mesmo os parentes de Olívia sumiram e só ficou ela. Foi um pouco como aconteceu, nos quadrinhos e desenhos de Walt Disney, com Goofy (Pateta) antes personagem coadjuvante e que terminou desbancando o Horácio como principal amigo do Mickey. Só nos anos recentes, quando Roger Langridge tratou de resgatar o universo Popeye, os pais e o irmão da namorada do marinheiro voltaram a aparecer, mas não, que eu saiba, o ex-namorado. Landridge vem efetuando um trabalho semelhante ao de Don Rosa nos Estúdios Disney e resgatando personagens esquecidos.

O almanaque “Super Popeye” apresenta diversas histórias roteirizadas por Langridge e um grande número de personagens, muitos já bem esquecidos, como o Professor O. Quitromba, inventor maluco, aqui visto como Professor Caracol. Os nomes dos protagonistas variam sim, conforme a tradução. De qualquer forma, vemos nesse álbum os mais tradicionais, quais sejam Olívia, Dudu (intelectual comilção e aproveitador), Procopinho (Gugu) e Bluto (Brutus), também a Bruxa do Mar (Sea hag), o Rei Blozo (Esplozo), Oscar, Cospefogo, Jacó, Alice, o casal Oil, Castor, o casal Sappo, Quitromba e Eugene, o “jeep” (animal imaginário).

A personalidade de Popeye — que adquire super-força apenas comendo espinafre (eu nunca vi espinafre em lata, mas deve haver nos estados Unidos) aparece de maneira bem clara, com seu jeito lógico e justo, mas pendendo muito para a violência quando provocado. Numa das cenas inclusive ele dá o “soco torcido” segundo esta tradução; nos velhos tempos da revista Popeye da EBAL (décadas de 50 e 60) era o “soco de saca-rolha”, sua arma secreta. Ele girava o braço, num efeito de helicóptero, e na história “Popeye na terra dos jeeps” que abre o presente álbum, chega mesmo a voar desse jeito. Mas eu lembro que seu golpe mais potente era o “soco de saca-rolha duplo” (com os dois punhos) ao qual ninguém resistia.

Há passagens engraçadíssimas. Por exemplo, na HQ “Já vai tarde, Blozo!” o confuso rei de um esquisito reino de ares medievais pede ajuda ao Popeye, como sempre faz; e desta vez porque havia um espião infiltrado no castelo. Como prova Blozo alega que o rei vizinho, seu inimigo, já sabia que ele usava o mesmo par de meias por três semanas seguidas. E na história atrás mencionada, Popeye deixara seu filho aos cuidados da babá Alice (que é um ser muito estranhoe que fala um idioma incompreensível). Ao retornarem diz Olívia: “Vejam! Lá estão a Alice e o Gugu!”, Castor acrescenta: “Espero que ela tenha tomado conta dele direito!” e o Popeye completa: “Eu também! Detesto ter que bater numa dama!”

O Dudu é um caso à parte, sempre comendo (de preferência filando) hamburgueses e, na medida do possível outros pratos, chegando a acabar com o estoque de galinhas do Rei Blozo. Inteligente mas desocupado, Dudu vive armando para se dar bem, o que, diga-se de passagem, nem sempre consegue.

Entre Segar e o atual Langridge passaram outros desenhistas-roteiristas, o mais importante, pelo tempo que dedicou a este universo, foi Bud Sagendorf.

Popeye também chegou ao desenho animado e mesmo ao cinema de ação viva. O texto do almanaque o coloca como um super-herói pioneiro, nove anos anterior ao Super-Homem. Uma deliciosa caricatura o mostra detonando diversos super-heróis de uma vez, com seu soco de saca-rolha, e declarando: “Cheguei primeiro que vocês!” A rigor porém há super-heróis anteriores, como Tarzan e o japonês Fantomas.



Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2016.