Crítica psicológica: Laranja Mecânica

HORRORSHOW

Sinopse: No futuro, Alex (Malcolm McDowell), líder de uma gangue de delinqüentes que matam, roubam e estupram, cai nas mãos da polícia. Preso, ele é usado em experimento destinado a refrear os impulsos destrutivos, mas acaba se tornando impotente para lidar com a violência que o cerca.

Até aonde a imaginação pode se confrontar com a realidade humana? É com essa questão que a análise deste filme pode ser compreendida de forma mais ampla. De que forma essa história de violência, perversidade, rebeldia adolescente pode ser encarada como real, mesmo induzindo temas tão banalizados e surreais (ilegais) do ponto de vista moral da sociedade “perfeita”.

E então, o que faz de Alex o “bandido”? Primeiramente, antes de qualquer julgamento de condutas, deve-se remeter aos aspectos histórico-sociais e culturais ao qual ele estava inserido. Ano de 2050, Inglaterra, governo e igreja exercendo controles sociais de forma altamente punitiva, “olho por olho”. O que dever-se-ia considerar e esperar da adolescência em meio a isso? Identifica-se nos comportamentos do personagem conflitos antigos referentes à identidade, família, sexualidade, grupo, sociedade, religião, porém, colocados de forma intensificada e explícita para determinados padrões. E será que a sociedade gosta disto? Por tal fato é que o filme se torna tão perturbador, não por mostrar cenas de estupro ou agressão, mas por identificar em nós mesmos, conflitos que foram sublimados ou desvalorizados, que permanecem em nosso inconsciente e que possivelmente nos fazem sermos tão apáticos a determinadas situação colocadas, o ideal social esperado de um jovem normal; oposto do que foi apresentado por Alex, o delinqüente inconseqüente.

Voltando a questões sociais, vale-se destacar a presença de duas grandes agências controladoras de comportamentos, que são a governamental e a religiosa. Estas compartilham um mesmo método associacionista de controle social, o reforçamento positivo de condutas “legais” e/ou aprovadas por “Deus” e o reforçamento punitivo de atos considerados “ilegais” e/ou obras de “Satã” (Lei do Efeito). E o que aconteceu a nosso amigo, cujas ações foram consideradas reprovatórias e demoníacas: a punição.

Após a “eficiente” cadeia ligada às “poderosas” palavras da bíblia, tentarem alimentar em Alex esse sentimento de culpa, que o levaria a salvação, ligou-se aí uma nova agência controladora, a psicoterapêutica (ciência). O método estruturalista seria fácil: basta-se associar que ao se assistir, posteriormente compartilhar atos de violência e revolta, produzir-se-ia por meio de substancias injetadas certo desconforto físico (sistema nervoso) que impediria o paciente de cometer atos impróprios. Resumindo, o mal se transforma em bem, graças a experimentos de alienação terapêutica.

E deu certo? Sim. Toda vez que o personagem se deparava com situações adversas, um enjôo o impedia de cometer algo irregular. Mas então, há uma reação controversa, latentemente ele ainda continuava a sentir as mesmas revoltas e angústias. Novamente, deu certo? Para o governo (sociedade) sim, não importa se ainda permanecem desejos guardados, desde que estes não se manifestem. Assim somos a maioria de nós cotidianamente, mesmo havendo grandes manifestações de revolta internas referente a dramas atuais (guerras, violência, injustiças....) não às manifestamos. Bom trabalho de alienação fizeram. Nós, enquanto homens livres, pensantes, fomos rebaixados a objetos mecanizados nas mãos do mercado, somente por querermos desfrutar de uma vida tranqüila. Mas espera ai, quem faz o mercado (sociedade)? Nós mesmos. Concluído, somos obrigados a agirmos padronizadamente e de forma boazinha por nós mesmo, então porque revoltar-se?

Nesta perspectiva, de controle social, o filme traz uma visão inatista de aprendizagem, onde o ser humano, assim entendido, não tem possibilidade de mudança, não age efetivamente e nem recebe interferências significativas do social. Nada depois do nascimento é importante, visto que o homem já nasce pronto, incluindo a personalidade, os valores, os hábitos, as crenças, o pensamento, a emoção e a conduta social. O ser humano, concebido como biologicamente determinado, remete a uma sociedade harmônica, hierarquizada, que impossibilita a mobilidade social, embora o discurso liberal a afirme. Alex nasceu mal, e assim permanecerá imutável, sendo a culpa por qualquer ação socialmente irregular unicamente sua.

O filme termina fazendo um questionamento de que para ser preciso estabelecer a lei e a ordem, nesse caso por meio da ciência, é necessário antes de tudo não se deter em questões éticas ou de escolhas morais. Em contrapartida a este, o livro traz que mesmo Alex, por meio de novos experimentos, ter voltado às antigas manifestações comportamentais, o jovem deparou-se com a maturidade, que o levou a reflexões de continuar a tendo atitudes agressivas e revoltosas “quase” normais da idade ou “evoluir” e tornar-se um adulto responsável. Ou seja, o autor baseia-se no ambientalismo, sendo que a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem simultaneamente e podem ser tratados como sinônimos. Sob essa ótica, o desenvolvimento é encarado como a acumulação de respostas aprendidas. As respostas aprendidas, por sua vez, resultam em mudanças de comportamento, desencadeando a aprendizagem.

Finalizando, sendo Alex o narrador, este imprimiu no decorrer do diálogo a sua visão, imaginação, simbolização, dos fatos e objetos. Isto resultou, em uma linguagem visual, tátil e verbal diferente de um contexto social generalizante, que serviu perfeitamente para dizer que mesmo ele alucinado em suas concepções de sexo grupal, mesas em forma de corpos femininos, tensão interna sendo aliviada em forma de violência e gente com casas de formas distorcidas, há em nossa volta um Show de Horrores do qual fizemos parte, onde um Ministro (representante da sociedade) serve comida na boca do marginal em troca de SILÊNCIO.

ThOuGhTfUl
Enviado por ThOuGhTfUl em 18/03/2007
Código do texto: T416603