ONLY LOVERS LEFT ALIVE (dos vampiros, sem título em português)

A superfície do planeta Terra é água, setenta e cinco por cento. O corpo humano é água na proporção de três partes por uma de matéria sólida. A disputa pelo petróleo leva à guerra e as cidades queimarão num futuro próximo, onde houver água em abundância ali a vida exuberante atraíra multidões, outra guerra se anuncia. O fim da espécie humana é repetir ciclos de destruição, tornar a pureza diluída em excrementos industriais.

Nesse imaginário o futuro é uma rota de fuga sem saída, espelha no passado romântico a insatisfação de um ser inadequado. Vampiro, imortal e romântico, o antiherói vive à procura da morte. Teria adquirido esse “mal estar” na convivência com “estúpido e cansativo” Lord Byron, no final do século XVIII. É assim que a imagem do vampiro, anti-herói romântico, parece colada e semelhante à do poeta inglês Lord Byron.

Mas quem é Byron e porque romântico?

George Gordon Byron - 6º Barão Byron de Londres, 1788-1824. É uma das figuras mais influentes do romantismo: Byron é considerado um dos maiores poetas europeus, é muito lido até os dias de hoje. Toda a obra de Byron exprime o pessimismo romântico, a tendência a se voltar contra os outros, contra a sociedade. Ante as convenções morais e religiosas, seus personagens têm o charme cínico do herói demoníaco. Sua fama não se deve somente aos seus escritos, mas também a sua vida – amplamente considerada extravagante, inclui numerosas amantes, dívidas, separações e alegações de incesto. Encontrou a morte prematuramente.

De volta ao filme: “Only Lovers Left Alive”, dirigido por Jim Jarmusch, é uma surpresa visual bem acabada recheado de música “divina” inspirada nas mil e uma noites do oriente libanês.

Dois vampiros atravessam os séculos, irmanados e amantes. Interpretados Tilda Swinton e Tom Hiddleston , solitários individualistas, buscam o que lhes dê sobrevida. Sangue não basta, é preciso sangue puro.

A pureza é o ponto de partida e a linha de chegada no discurso que permeia as sequências noturnas ilustradas por melodias quase úmidas de citaras eletrônicas.

Nas vielas de Beirute (se não for Beirute pode ser São Paulo, ou um gueto de Nova York) os vampiros recusam a oferta de traficantes que oferecem “o que vocês precisam... a melhor... a pura... o que vocês procuram!”. Na eminência do desespero é melhor morrer na abstinência que se “alimentar” com o que está “contaminado”. O sangue dos zumbis (assim são chamados os humanos mortais) está tão sujo de dejetos da indústria quanto diluído em água. A água é a fonte de vida para o planeta e a vida na terra, no entanto resta poluída assim como o sangue nas artérias dos zumbis/humanos.

A preciosidade líquida, vermelha, e densa do sangue O+ PURO seria motivo de outra guerra se o vampiro, nesse filme, não fosse a tradução das nossas inspirações mais secretas do que julgamos ser o “bom convívio”. Matar para sobreviver não é mais estratégia viável, coisa “tão século XV”. O sangue que os alimenta não está nos corpos das pessoas medíocres que parecem viver, mas nos hospitais, hemocentros e cápsulas anti-coaguladoras adquiridas mediante suborno e propina.

Quando, finalmente, o cálice de sangue puro é degustado o que vemos é o êxtase que só “o sangue puro”, ou a heroína poderia, poderia proporcionar. Em nenhum momento do filme a droga, extraída da papoula cultivado nos altiplanos do Afeganistão, é mencionada. É na alusão ao estilo de vida que o “conjunto da obra” insinua o desencanto elegante e a sofisticação decadente.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 04/07/2014
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