A grandiosidade de "A bela adormecida"



A GRANDIOSIDADE DE “A BELA ADORMECIDA”

Miguel Carqueija


Entre os belos filmes que Walt Disney produziu em sua fecunda carreira, “Sleeping beauty” é um dos mais belos, e marcou a minha infância. Foi com minha mãe que eu o assisti pela primeira vez, no cinema, e sua espetaculosidade permaneceu em minha memória. Tornei a vê-lo diversas vezes e hoje possuo o DVD em edição especial, com bônus diversos.
Inspirado no célebre conto de fadas de Perrault, “Sleeping beauty” é um desenho de arte, uma exacerbação de qualidade, servido por uma equipe extraordinária tendo Clyde Geronimi como principal diretor, auxiliado por Eric Larson, Wolfgang Reitherman e Les Clark.
O argumento básico é sobejamente conhecido: o poder misterioso do amor e uma criatura mágica ofendida, além do encantamento do sono. Um antigo reino celebra o nascimento da herdeira do trono, a Princesa Aurora, que desde logo é prometida ao Príncipe Felipe, herdeiro do reino vizinho. Isto, com certeza, é um hábito ancestral que a mentalidade moderna não aceita: a falta de escolha dos filhos sobre o seu próprio destino. Detalhe que é habilmente explorado na história, elevando o grau de suspense.
Na grande festa de apresentação da recém-nascida as três fadas protetoras do reino, Flora, Fauna e Primavera, três senhoras esvoaçantes e vestidas com saias talares, apresentam os seus dons ao bebê. O da Flora é a beleza, o da Fauna a canção. Antes, porém, que Primavera ofereça o seu dom, o local é invadido pela tenebrosa bruxa Malévola, mulher alta, empinada, vestida de negro, consciente de seu poder. Acompanhada pelo seu corvo de estimação, ela reclama de não ter sido convidada e lança contra a princesa uma terrível maldição: no dia em que completar 16 anos, espetará o dedo numa roca de fiar e morrerá. A bruxa se retira e Primavera consegue desviar a maldição de morte para sono profundo (animação suspensa), do qual sairá com um beijo de amor (algo semelhante ao que ocorre em “Branca de Neve e os sete anões”, que Walt Disney também filmou).
Este é o argumento-base do filme e do conto de fadas no qual se inspira. Walt Disney, com sua grandiosa equipe, burilou o argumento levando-o a um clímax de poesia e encantamento, com cenas de puro lirismo — servidos inclusive pelo belíssimo balé de Tchaikovsky — alternando com outras de comicidade, horror e suspense.
Oculta no bosque, vivendo numa cabana com as três fadas que se fazem passar por tias, Aurora torna-se uma adolescente encantadora e brejeira, que passeia descalça pela mata, seguida pelos animaizinhos. A figura de Aurora — alta, expressiva, cheia de personalidade — é uma obra-prima da animação, mais impressionante que a Cinderela, a Alice e a Branca de Neve de outros desenhos do mestre Walt Disney. Ela não desconfia, porém, que o seu tempo de vida silvestre está contado, que chegando aos dezesseis anos deverá se apresentar no palácio e assumir o seu papel de princesa.
Malévola, por sua vez, em algumas passagens rouba a cena. É marcante a sequência em que ela, reunindo o seu exército de monstros, frustrada por não ter sido localizado o paradeiro da princesa, descobre afinal, estarrecida, que o tempo todo os seus acólitos procuraram por um bebê num berço. Tomada de fúria ela ataca os monstros com descargas de sua vara, dispersando-os em pânico, e depois, arrojando-se em seu trono, recorre ao corvo, único auxiliar com inteligência suficiente para ter utilidade.
Numa de suas reuniões com a equipe o produtor Walt, que tinha sua experiência como ator, dramatizou a cena, personificando a Malévola.
As três fadas são verdadeiros achados. Flora de rosa, Fauna de verde, Primavera de azul, cada uma com sua personalidade e aparência. Flora como líder e com muito bom senso, Fauna meio tonta e Primavera, geniosa e teimosa. A primeira e a última acabam duelando a varinha mágica porque não chegam a um acordo sobre o vestido do baile de Aurora.
O duelo final entre o Príncipe Felipe e a Malévola transformada em dragão é verdadeiramente antológico, precedido pela tensão nervosa do raide das fadinhas á fortaleza da bruxa, a Montanha Proibida. A pontuação dramática é perfeita, nesta obra-prima indiscutível que é “Sleeping beauty”, onde a exaltação de valores cristãos — simbolizados na espada em cruz, triunfando sobre o Mal — é evidente e entusiasmante.
Do ponto de vista técnico “Sleeping beauty” é uma maravilha, chamando a atenção pelo sistema Technirama que exige tela mais larga, o excelente colorido, a excelente e trabalhosa animação, a música envolvente do grande Tchaikovsky. Walt Disney sempre amou a música dos mestres. A equipe reunida para realizar “A bela adormecida” inclui nomes lendários como Ub Iwerks, Wiston Hibler, Joshua Meador e outros grandes colaboradores de Walt Disney. É, enfim, uma obra maiúscula, que veio para ficar enquanto o cinema existir.

SLEEPING BEAUTY (A bela adormecida) — Walt Disney Productions, EUA, 1958. Produção: Walt Disney. Direção geral: Clyde Geronimi. Diretores de sequências: Eric Larson, Wolfgang Reitherman e Les Clark. Vozes: Mary Costa, Bill Shirney, Eleanor Audrey, Verna Felton, Barbara Luddy, Barbara Jo Allen, Taylor Holmes, Bill Thompson. Supervisor de produção: Ken Petterson. Efeitos especiais: Ub Iwerks e Eustace Lycett. Música: George Bruns, adaptando o “ballet” da Bela Adormecida, de Tchaikovsky. Direção de animação: Milt Kahl, Frank Thomas, Marc Davis, Ollie Johnston, John Lounsbery. Desenho em Technicolor e Technirama baseado no conto de fadas “A bela adormecida”, versão de Charles Perrault. Duração aproximada: 75 minutos.


imagem: DVD do filme