RAYEARTH OVA

RAYEARTH OVA
Miguel Carqueija


Kodansha, Japão, 1997. Com base na série “Magic Knigth of Rayearth”, criada em mangá pela CLAMP ( 
Mokona Apapa, Satsuki Igarashi, Ageha Ohkawa e Tsubaki Nekoi ). Produção executiva: Yazuo Katzuki, Azio Izumikawa, Shunzo Kato. Direção: Keitaro Motonaga. Roteiro: Manabu Nakamura. Produção: Ken Tsunoda, Fumie Yamaguchi e Mashito Yoshioka. Direção de arte: Horoshi Kato. Desenhos dos monstros: Keiji Goto.

Preliminarmente esclareço que OVA não tem nada a ver com peixes: trata-se de um especial vinculado a uma série japonesa de televisão. Este OVA baseia-se na história originalmente lançada em mangá pela CLAMP em 1993 e logo em seguida vertida para o animê. É um desenho emocionante e envolvente, que atinge 135 minutos de projeção. Obra-prima do “shoujo”, que privilegia mulheres como protagonistas, principalmente heroínas adolescentes.
“Rayearth OVA” principia com estranhas visões do planeta irmão da Terra em outra dimensão, o mundo mágico de Cefiro, onde um espírito conhecido como a Princesa Emeraud (Esmeralda) a tudo preside mas que no momento ocupa-se na veneração de um personagem imóvel, o grão-sacerdote Zagato, agora somente uma imagem do passado.
A ação passa-se para a Terra e para uma visão da majestosa Torre de Tóquio.
Shidou Hikaru, uma menina de cabelos vermelhos e longas tranças, faz evoluções na barra da ginástica e é parabenizada pelas amigas Ryuusaki Umi e Hououji Fuu — respectivamente, a de longos cabelos escuros e a de óculos e cabelos mais curtos e menos agitada que as outras. Uma profunda amizade une as três garotas mas, a uma semana da graduação, elas temem separar-se por causa dos planos das famílias.
A doce Hikaru dirige-se a uma cerejeira lendária, que tinha a fama de realizar desejos. Com uma pétala na mão, Hikaru (=Luz) pede para não se separar de Fuu e Umi: “Nós seremos amigas para sempre, não importa o que acontecer.” É nesse ponto que aparece Mokona, um bichinho (desses animaizinhos mágicos comuns em desenhos nipônicos) semelhante a um coelho gordo e que faz “pu-pu, pu-pu!” Hikaru toma-o por uma fada. As outras não acreditam porém mais tarde Hikaru torna a ver o bicho no outro lado da rua, entre as pessoas que passam. Hikaru atravessa a rua entre os veículos e é então que uma voz misteriosa lhe fala, por ela ser capaz de ver Mokona. Hikaru vê-se subitamente arrebatada, flutuando no espaço e a Terra (atentem nesse detalhe) é entregue nas suas mãos. Uma linda gema redonda circundada por uma cinta aparece em sua mão, aderente a ela. Hikaru agora flutua sobre Tóquio e vê um homem de estranhas vestes no alto da torre. O mago Clef, da Torre de Tóquio, onde se refugiou após fugir de Cefiro, vê a garota flutuante. Ela porém se vê de volta ao solo. Umi e Fuu a encontram, vêem a gema e Mokona, a “fada” segundo Hikaru. Mas os acontecimentos se precipitam: Cefiro se aproxima da Terra e estranhos personagens aparecem, todos dotados de poderes sobrenaturais: Alcyon, Lantis, Fério e Ascot. Alcyon tenta atacar Clef que, com seu bastão mágico, lança uma onda concêntrica de poder que faz desaparecerem num portal do tempo, as pessoas do mundo (não se explica se os animais também somem). Apenas restam as três meninas, por imunes àquela magia e por estarem destinadas a combaterem pela Terra. Elas encontram Clef caído na rua mas, quando conseguem falar com ele, Alcyon já está acossando com o seu espírito-gato. Sem saber o que está acontecendo e nem porque devem morrer, as três correm pelas escadas de um prédio e Clef tenta cobrir a sua fuga. É uma situação dramática que culmina com Hikaru sendo separada das outras e caindo de grande altura, enquanto a bruxa Alcyon, que possui o poder de lançar grandes farpas de gelo, incorpora-se num gigantesco robô de combate (um mecha ou machin), espécie de potestade mística que deve ser pilotada por um ser humano.
Hikaru no entanto foi preservada da morte pela intervenção de um leão de fogo que se apresenta como Lexus, um dos quatro espíritos guardiães da Terra (os outros são Selece, da água, Windam, do vento, e Rayearth, da Terra). Hikaru faz um trato com Lexus e reaparece ao lado do gênio quando Clef já está admitindo a Fuu e Umi, que não conseguirá dominar o monstro ligado a Alcyon. Hikaru, que é extremamente decidida, utilizando o poder do orbe ou gema que agora carrega, opera a transformação de Lexus em mecha e se incorpora, nua, em seu interior. Começa então a primeira batalha de mechas do filme, e a cada golpe recebido por Lexus, Hikaru sangra em seu interior. Por fim está toda ensanguentada mas, motivada pela necessidade de salvar Fuu e Umi, contra-ataca com tanta decisão que consegue destruir o mecha inimigo, derrotando Alcyon. Mas é tarde demais para impedir a mistura dos dois mundos: o castelo real de Cephiro materializa-se ocupando o lugar da Torre de Tóquio. A menina, numa atitude de grande desprendimento, ataca o castelo numa tentativa de selá-lo na outra dimensão, porém fracassa e é salva por Lantis, que a cobre com um manto em meio às ruínas e a deixa.

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No segundo segmento, tendo Hikaru recebido a sua gema de Mokona, deixa Umi com Clef num esconderijo e toma um trem que ainda funciona automaticamente. Ela sabe que tem de fazer alguma coisa mas esbarra com Ferio que, com seus poderes, derruba a ponte por onde a composição está passando. Fuu consegue manter o vagão no ar. Hikaru, lançada num labirinto, é dada como desaparecida; e Ascot, na verdade um garoto maldoso e com problemas, acossa Clef e Umi. Enquanto isso Fuu questiona Ferio, para saber porque estão querendo destruir o mundo. O guerreiro de Cephiro sai-se com essa resposta: “O mundo vai acabar algum dia: só passou a ser hoje.” Inexperiente, Fuu acaba fugindo. Enquanto isso Mokona faz aparecer uma gema de poder na mão de Umi, que pode finalmente enfrentar Ascot, mecha contra mecha; incorporada no machin que representa Selece, Umi lança o golpe do dragão marinho. Fuu, no mecha de Windom, usa o golpe da tempestade verde. Mesmo assim elas são levadas de vencida por Ascot; porém Hikaru, do labirinto, as vê em luta. Enquanto o guerreiro Lantis interpela Ferio, levando-o a mudar suas intenções, Hikaru reaparece no revivido mecha de Lexus, e num ataque conjugado das três Cavaleiras Mágicas morre Ascot com seu mecha Agui. Convém observar que o aspecto principal em Rayearth não é a violência ou o terror — apesar dos combates titânicos entre mechas — mas o caráter e a personalidade das três meninas. Prosseguindo a trradição da fantasia heróica de personagens messiânicos (predestinados a salvar o mundo — como em Harry Potter, Star Wars, Narnia e tantos outros universos ficcionais), o comportamento de Hikaru, Fuu e Umi é o ponto mais importante de toda a trama. No episódio da morte de Ascot as três se chocam e se compadecem; Umi derrama lágrimas. Sem um pingo de violência ou agressividade elas são amáveis e serenas; e todos os seus gestos são significativos. A “messias” propriamente é Hikaru, cujo nome significa “luz” (ou mais exatamente “brilho”), havendo portanto no título da história, “Rayearth”, alusão velada a ela. Aliás, nas versões brasileiras as três são conhecidas como Lucy (Hikaru), Amy (Fuu) e Marine (Umi), Lucy também para lembrar a luz.
A história encaminha-se para um grandioso desfecho no último segmento.
Em seguida elas reencontram Clef e Mokona. O mago narra a história de Cephiro, um mundo regido pela magia mas que começou a se autodestruir pelo desequilíbrio nas relações entre os diversos seres; até que Zagato, grão-sacerdote e irmão de Lantis, sacrificou-se pelo planeta; gerando a sua imagem residual o trauma obsessivo do “pilar espiritual” Emeraud. Apaixonada por Zagato ela passou a viver num sonho, abraçada à imagem do seu amado. Toda a crise advinha disso, e da atitude do “Águia”, irmão de Emeraud e capaz de assumir a forma de uma grande águia. Revoltado, ele mantem a irmã naquele estado e trabalha para que tudo seja destruído.
É Hikaru quem dá a idéia: “Nós não podemos falar com a Princesa Emeraude?” A idéia simples que não ocorre às pessoas complicadas: por que então não falar diretamente com a pessoa cuja crise existencial está arruinando dois mundos?
A situação se torna mais perigosa ainda porque o Águia ataca usando o poderoso mecha que havia pertencido ao falecido Zagato. As meninas são arrebatadas até o castelo, onde a magia das suas gemas não funciona. Mesmo assim elas tentam convencer Eagle (Águia), enquanto Emeraud prossegue vivendo um “sonho sem fim”. Lantis, que está do lado delas, aparece e, com sua espada mágica, as defende de uma horda de espectros (almas atormentadas de cephirianos mortos). É quando Ferio aparece disposto a ajudar Lantis, e aproveita para se apresentar a Fuu (o que não havia feito no capítulo anterior). Há de fato uma queda entre Ferio e Fuu, como entre Hikaru e Lantis.
O guerreiro havia conseguido transportar as três meninas para fora do castelo; mas fôra mortalmente atingido no combate. As guerreiras então unem os seus poderes e fazem surgir o mecha de Rayearth, que a todas representa. Hikaru, utilizando a espada de Lantis, destrói o mecha de Zagato. Mesmo sem o robô gigante o Águia ainda tenta utilizar os seus poderes mas a Princesa Emeraud se manifesta, livre do encanto que a paralisava, e chama-o à razão, agradecendo ás guerreiras mágicas por sua fé no futuro.
Todas se despedem; o castelo desaparece e a torre retorna. A região em volta está destruída, mas as garotas têm o consolo de haver cumprido com seus deveres mesmo em risco das próprias vidas; a humanidade retorna da dobra temporal só que ninguém sabe o que aconteceu ou o porque da devastação ao redor da Torre de Tóquio. A vida continua. Hikaru, Fuu e Umi voltaram a ser garotas normais.
“Rayearth OVA” é uma apoteose de fantasia em tom moderno. As tradições artureanas, dos Nibelungos e das obras literárias de Peter Pan, Harry Potter, Lord of Rings, Nárnia, Conan...ou das cinematográficas, Flash Gordon, Star Wars, Sailor Moon, Utena, Lodoss, estão aqui muito bem representadas. Os desenhos japoneses, no que têm de melhor, vêm superando amplamente — pelo conteúdo, sutileza e profundidade — os seus equivalentes norte-americanos. Daí uma fração considerável da garotada universal aderiu aos animês, como aos mangás, pela grande empatia que lhes inspiram os personagens e seus dramas.

Rio de Janeiro, 25 a 31 de dezembro de 2006.





IMAGEM DO SERIADO (Fuu de verde, Hikaru de vermelho e Umi de azul)