REVERBERAÇÕES DO PENSAR FILOSÓFICO EM ESCRITORES DA LIBERDADE (2006)

Uma das grandes buscas empreendidas pelo humano ao longo dos anos é a tentativa de entender a si próprio e ao mundo que o cerca. No entanto, somente a partir das interações que estabelecemos com nosso mundo biossocial é que iniciamos a gênese do pensamento filosófico e que, portanto, adquirimos as primeiras respostas às nossas indagações.

Em O mistério da consciência, o neurocientista Antonio Damásio compara a emoção do artista ao ver as luzes, o palco e a plateia quando as cortinas do teatro se abrem com a experiência transformadora do autoconhecimento:

[...] Tenho a intuição de que sair à luz é também uma eloquente metáfora para a consciência, para o nascimento da mente conhecedora, para a simples, mas decisiva chegada do sentido do self [si mesmo] ao mundo mental. [...] Escrevo sobre o sentido do self e sobre a transcrição da inocência e da ignorância para o conhecimento e o autointeresse. (DAMÁSIO, 2005 apud COTRIM; FERNANDES, 2010, p. 67).

A metáfora de Damásio serve-nos então como ponto de partida dessa discussão. Quais os limites e possibilidades da consciência crítica? Em outras palavras, quais as contribuições do senso crítico e reflexivo ao humano?

Em Descartes a consciência se define como conhecimento reflexivo, i. e., ser consciente é apreender-se a si próprio de modo imediato e privilegiado. Nessa perspectiva, esse trabalho visa identificar o pensar filosófico no filme Escritores da Liberdade (LaGravenese, 2006), tendo como foco a influência da consciência crítica no desenvolvimento psicossocial e cognitivo do sujeito. Procura-se, sobretudo, refletir sobre as possíveis reverberações do comportamento filosófico contido na própria narrativa cinematográfica dentro do contexto sócio-histórico apresentado.

Os primeiros minutos de Escritores da Liberdade contextualizam a obra apresentando um cenário caótico: Policiais tentam conter um ônibus em chamas; jovens carregam cartazes ameaçadores com o lema “Sem justiça, sem paz!” enquanto outros arremessam pedras em vitrines e gritam para as câmeras de telejornais.

É neste ambiente insólito que a professora Erin Gruwell, recém-formada, se vê diante do desafio de educar um grupo de alunos aceito compulsoriamente na Escola Woodrow Wilson, após a criação de uma lei de integração racial, aprovada pela Secretaria de Educação.

Erin chega à escola repleta de sonhos e ideais, motivada inicialmente pelo projeto de integração proposto, no entanto o que ela encontra é uma realidade totalmente diferente: negros, hispânicos e asiáticos dividem a sala de aula em pequenas organizações separatistas acalentando a ilusão de que para ser respeitado é preciso lutar (entenda-se, usar de violência).

Apesar da resistência dos estudantes e dos próprios professores, passivos em relação aos problemas da Instituição, Erin passa a encontrar caminhos alternativos para sensibilizar seus alunos, promovendo discussões dinâmicas sobre autoafirmação e tolerância.

O ápice do projeto inovador da professora acontece quando ela entrega aos alunos, mais conscientes de si do que nunca, alguns cadernos que serviriam como diários nos quais eles poderiam escrever sobre o seu passado, presente e futuro todos os dias. A partir disso, a professora passou a compreender as deficiências de cada estudante articulando-as no seu plano pedagógico, desenvolvendo um pensamento defendido por um dos maiores ícones da pedagogia no Brasil:

Por que não discutir com os alunos a realidade a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina à realidade agressiva em que a violência é constante e a convivência entre as pessoas muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma intimidade entre os saberes curriculares fundamentais e a experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE,2011, p. 30)

É aqui que a metáfora de Damásio ganha relevância: Os estudantes, outrora escondidos no interior da caverna de Platão, saíram à luz quando as cortinas do teatro finalmente foram abertas pelas mãos da professora Erin Gruwell e, além do salto qualitativo no processo ensino/aprendizagem, expandiram suas possiblidades dentro daquele ambiente abandonando uma compreensão simplista e imediatista sobre seu problema.