A solidão brutal de Amores Perros (2000), de Alejandro Inárritu

Como estudante de língua, literatura e cultura espanhola/hispano-americana, tenho investigado mais a fundo, nos últimos anos, o cinema espanhol e latino a fim não apenas de melhorar a compreensão auditiva do idioma, mas principalmente no intuito de sair um pouco do ciclo de filmes hollywoodianos aos quais nos submetemos inconscientemente. E entre as várias surpresas agradáveis que tive nessa empreitada cinematográfica, descobri a produção Amores Perros, de 2000, que foi o primeiro longa-metragem dirigido por Alejandro González Inárritu, consagrado anos depois com o também excelente Birdman.

Considerado por alguns como o Pulp Fiction mexicano pelas cenas violentas que contêm, Amores Perros é um filme que une, por meio de um acidente automobilístico, três histórias de pessoas pertencentes a diferentes classes sociais que terminam tendo as suas vidas modificadas eternamente por meio dessa tragédia. São elas o jovem Octávio (Gael García Bernal), a modelo Valéria (Goya Toledo) e o assassino de aluguel El Chivo (Emilio Echevarría).

Entretanto, o que me chamou mais atenção, além das fortes cenas de brigas de cachorros das quais participa Octávio e da sangrenta cena da batida de carros, foi a solidão brutal na qual todos os protagonistas da obra estão imersos, ainda que vivam em uma metrópole como a Cidade do México. A sensação de estar sozinho entre milhões de pessoas não é, na verdade, um tema novo, já que vem sendo difundido e discutido amplamente em revistas, blogs e até mesmo pelo cinema, como faz o filme argentino Medianeras (2011). Assim, faz-se interessante observar, justamente pelas interpretações que se atém apenas à brutalidade da trama, como Octávio, Valeria e El Chivo tentam, de todas as formas, dar um rumo melhor às suas vidas, antes ou após o acidente, e deixar de ter a solidão como única companhia.

O personagem de Bernal é um jovem desajustado e inconsequente, sem grandes perspectivas de vida e que mora com a família em uma casa simples na capital mexicana. Ali ele inicia uma relação amorosa com sua cunhada Susana, planejando fugir com ela para o interior e, para isso, passa a juntar o dinheiro arrecadado nas ilegais e sanguinárias brigas de cachorro às quais sujeita seu mascote Cofi a participar. Percebe-se, ao longo da trama, o carinho maior que a mãe de Octávio tem pelo outro filho, o violento Ramiro, quem abusa da esposa e desdenha do irmão. Essa situação vivida ao longo dos anos chega ao seu limite e termina de maneira trágica, fazendo do jovem protagonista um homem ainda mais solitário e que tem, como única opção, submergir-se literalmente na escuridão da metrópole em que vive.

Mais que a vaidade e a luxúria humana, Valéria representa a fragilidade daqueles que vivem da beleza física e terminam sendo, consequentemente, vítimas de um sistema cruel de valorização da imagem. Após sofrer o acidente de carro que conecta sua vida à de Octávio e à de El Chivo, a modelo perde não só o emprego, como também as companhias que tinha em seus tempos áureos. Seus amigos não a chamam por telefone e muito menos vão à sua casa, restando-lhe somente a presença pontual do namorado Daniel e a companhia de seu cachorro Richie. Ainda que as relações entre Octávio/Cofi e Valéria/Richie se desenvolvam de maneiras muito distintas, Inárritu nos mostra como, em muitos casos, seres humanos abandonados se agarram aos seus animais de estimação para sobreviver a um momento difícil e desesperador de suas vidas, sendo que o natural seria possuir o apoio de outros seres humanos, como os familiares. E ainda que não caia na escuridão da Cidade do México, o final de Valéria é triste e vazio como o de Octávio.

Da mesma maneira que Cofi e Richie são a salvação para seus donos, os cachorros de rua criados pelo andarilho El Chivo significam para ele a família abandonada no passado. O matador de aluguel, que mora sozinho em um barraco sujo, caminha pela capital sem a companhia de outras pessoas e possui poucas falas na maior parte do filme, o que reforça ainda mais a ideia de que é uma pessoa solitária, talvez a mais entre todos os outros personagens. O carinho que nutre pelos animais que o seguem, a proteção que os dá e a saudade de sua filha entram em contraste com a profissão que o mantém vivo, caracterizando assim esse personagem dúbio e de passado soturno. Entretanto, se os desfechos de Octávio e Valéria nos deixam desesperançados, o de El Chivo, nos mostra como os seres humanos, ainda que passem pelas maiores provações em suas vidas, podem recomeçar do zero a qualquer momento.

Amores Perros é, sem dúvida, uma obra prima do cinema mexicano. Muito além de uma história violenta e com personagens sombrios, que muitas vezes agem de maneira cruel e egoísta, o filme de Inárritu nos mostra vidas ao mesmo tempo distintas e semelhantes que se cruzam e se modificam para sempre. A fragilidade da existência humana e sua solidão sejam, talvez, os pontos altos dessa narrativa intensa e que, mesmo depois de quinze anos, continua sendo atual.

Eulálio Marques
Enviado por Eulálio Marques em 27/11/2015
Reeditado em 16/01/2016
Código do texto: T5462737
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